FOLHA DE SP - 28/09
Será "o fim das calúnias", anunciou a presidente argentina, Cristina Kirchner, referindo-se à última investida contra o grupo que edita o jornal "Clarín", notabilizado por uma linha crítica a seu governo.
A presidente marcou a data de 7 de dezembro para "desinvestir" o grupo de parte das concessões de rádio e TV sob seu controle. Trata-se, em tese, de aplicar uma lei, aprovada em 2009, destinada a coibir a excessiva concentração no setor de telecomunicações.
Sem dúvida, admitem-se mecanismos contra a monopolização de meios de comunicação nos países democráticos. Nos EUA, onde a liberdade de expressão é tradição bem mais sólida do que nos países latino-americanos, procura-se diversificar a oferta de informação e entretenimento aos cidadãos.
Sob pretexto antimonopolista, todavia, é bem diferente o que ocorre na Argentina. A própria frase da presidente sobre as "calúnias" de que estaria sendo vítima já desmascara seu intento. O "Clarín" tem tido papel decisivo em revelar escândalos no governo.
Não por outra razão o jornal se viu invadido por fiscais da receita argentina (a exemplo do que se fez contra a Folha nos primeiros dias do governo Fernando Collor). A proprietária do "Clarín" foi acusada, enquanto isso, de adotar ilicitamente duas crianças, supostamente filhas de vítimas da ditadura militar; exames de DNA provaram que a denúncia era improcedente.
Não é nesse clima que o recurso a uma lei de telecomunicações contra um grupo de mídia surge como mecanismo democrático, isento e insuspeito. Ao contrário, procura-se com a lei atingir retroativamente concessões renovadas pelo governo anterior -a saber, o de Néstor Kirchner, falecido cônjuge da atual presidente.
Corre ainda processo na corte constitucional argentina, no qual se contesta o prazo dado para a venda das emissoras do grupo. Cristina Kirchner não esperou a decisão do tribunal, entretanto, para anunciar em rede oficial a data de seu ultimato.
Seguindo o que, com igual ou maior desplante, vem sendo feito por Hugo Chávez na Venezuela, o governo argentino utiliza-se de meios econômicos e legislativos para um objetivo que, na essência, é o mesmo: sufocar todo tipo de crítica.
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