O GLOBO - 28/09
A condução da política econômica vem sendo marcada por duas dificuldades: improvisação e prevalência do imediatismo sobre preocupações mais permanentes, de prazo mais longo. São tantos os exemplos que não há como dar conta de todos neste artigo. Mas basta mencionar alguns deles para que a extensão dessas dificuldades possa ser percebida.
1. Desde meados do ano passado, o governo vem fazendo grande alarde com a desoneração da folha de pagamentos da indústria. O que começou como um projeto piloto, que favorecia quatro setores, assumiu agora proporções bem maiores.
Desonerar a folha é, em princípio, uma boa ideia. Mas, em vez de simplesmente reduzir a contribuição patronal, o governo partiu para desastrada mudança de base fiscal. Contribuição sobre faturamento e não mais sobre a folha, com alguma desoneração embutida na troca.
O problema é que a mudança reintroduz, pela porta dos fundos, a famigerada tributação cumulativa sobre faturamento, uma deformidade fiscal desnecessária da qual o país havia praticamente se livrado, graças ao louvável esforço de reforma tributária do primeiro governo do presidente Lula.
2. Desonerar a energia elétrica também era uma boa ideia. Mas, para que houvesse redução significativa da brutal carga tributária que recai sobre as tarifas, era essencial que os governadores fossem engajados no esforço de desoneração, já que boa parte da carga advém das escorchantes alíquotas de ICMS impostas pelos Estados. Não seria fácil, mas a União teria muito o que oferecer numa negociação séria com os Estados sobre a questão. Em vez de tentar avançar nessa linha, o que fez o governo? Preferiu uma redução arbitrária de preços pagos ao produtor de energia, que desincentiva investimentos na expansão da oferta e deixa a conta da desoneração nas costas do contribuinte.
3. Desde pelo menos 2008, o governo parece empenhado num esforço metódico de demolição da construção institucional que redundou na Lei de Responsabilidade Fiscal.
Especialmente lamentável nessa demolição foi a violação da regra de estrita separação entre contas do Tesouro e das instituições financeiras federais. Nos últimos anos, montou-se no BNDES um gigantesco orçamento fiscal paralelo, alimentado por fartas transferências diretas do Tesouro, não contabilizadas nem no Orçamento e nem nas estatísticas de dívida líquida e de resultado primário. Com o avanço da demolição institucional, tal esquema foi agora estendido à CEF e ao Banco do Brasil, que passaram a ser também nutridos, nas mesmas bases, com generosas transferências do Tesouro.
4. Políticas improvisadas costumam ser marcadas por pouca reflexão prévia e percepção incompleta dos prováveis desdobramentos de medidas supostamente bem intencionadas. É o que se observa com especial nitidez nas impensadas restrições que o governo decidiu impor à exploração do pré-sal. De um lado, exige-se que a Petrobras tenha monopólio da operação dos campos do pré-sal e participação de pelo menos 30% em cada consórcio que venha a explorar tais campos. De outro, que os equipamentos utilizados no pré-sal tenham nada menos que 65% de conteúdo nacional. Está a cada dia mais claro que tais restrições vêm impondo enorme ônus à Petrobras, sobrecarregando em demasia suas necessidades de investimento e trazendo atrasos inaceitáveis à exploração do pré-sal. A questão agora é como livrar a Petrobras e o pré-sal dessa estapafúrdia camisa de força, sem que o recuo imponha custo político excessivo ao governo.
5. Na condução da política comercial, o governo achou que o Brasil poderia, impunemente, esquecer sua estatura e passar a se comportar como uma Argentina. Agora, queixa-se da perda do respeito internacional que, a duras penas, o país havia conseguido angariar nessa área, ao mostrar, durante anos, que estava seriamente engajado num jogo cooperativo de combate ao cerceamento do comércio mundial. Bastaram poucos meses para que tal reputação fosse destruída. Agora é tarde. E não adianta esbravejar.
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