sexta-feira, setembro 07, 2012
Etimologia monetária - MONICA BAUMGARTEN DE BOLLE
O Estado de S.Paulo - 07/09
Juno, deusa romana, protetora do Estado. Uma das divindades mais complexas da teologia romana, Juno tinha diversos epítetos, facetas ou funções. Um deles era Juno Moneta, protetora dos recursos do Tesouro, deusa da moeda. Na Roma Antiga, as moedas eram cunhadas no seu templo. A palavra moeda também tem suas origens no termo grego moneres, que significa "única". O euro, portanto, é a moneta moneres. Ou melhor, seria, não fossem os problemas que atualmente afligem o Banco Central Europeu.
Mario Draghi tem dito que a moneta moneres europeia corre o "risco da conversibilidade" e que, portanto, é necessário que a autoridade monetária atue para eliminar esse risco. Para os não iniciados, o tal risco de conversibilidade parece uma expressão excessivamente hermética, típica do jargão dos economistas. Mas não é. Sobretudo se considerarmos as origens etimológicas da palavra moeda.
A deusa Juno tinha várias funções. A moeda, também: serve como meio de troca - o instrumento por meio do qual as transações comerciais são conduzidas na economia. Serve também como unidade de conta, isto é, como referência para os preços, para os valores dos bens e serviços produzidos. E, por fim, a moeda exerce uma função que os economistas chamam de reserva de valor - ou seja, como a moeda é um ativo financeiro, ela é, também, uma forma de os indivíduos guardarem a sua poupança ou de alocarem a sua riqueza. Uma moneta moneres que sirva a vários países tem de cumprir essas três funções simultaneamente. Se uma delas for infringida, há um risco de conversibilidade, isto é, de que uma moeda aceita para uma determinada função num país não seja aceita para a mesma função em outro.
Voltemos ao euro. Como medir o risco de conversibilidade, se o euro é aceito como unidade de conta e como meio de troca pelos países da União Europeia? A resposta está na sua terceira função, a de reserva de valor. Tipicamente, a moeda de qualquer país, o papel-moeda em poder do público ou o meio circulante, não rende juros. Não se recebe nada quando se guarda moeda na carteira, por exemplo. Mas os títulos de dívida de curtíssimo prazo dos governos são quase como a moeda. Não se pode usá-los para conduzir transações ou precificar bens e serviços, mas é possível utilizá-los para ganhar algum rendimento de curto prazo. Por curto prazo, entenda-se um prazo de vencimento de até três anos. Como esses títulos podem ser resgatados rapidamente, são quase tão líquidos quanto a moeda. E, por serem de prazo curto, não embutem um prêmio de risco de default do país, como os títulos de prazo mais longo.
Numa união monetária estável, onde de fato valha a máxima moneta moneres, os títulos de curto prazo dos países que a adotam têm de ter rendimentos muito parecidos, ou praticamente iguais, embora os de prazo mais longo possam divergir em razão da percepção de solidez fiscal de cada país-membro. Isso significa que um título de três meses da Espanha tem de render juros semelhantes aos dos títulos de mesma maturidade da Itália, da França ou da Alemanha. Contudo, desde meados de 2012, pouco antes de Mario Draghi soar o alarme do risco de conversibilidade, os rendimentos destes títulos curtos começaram a divergir. Na prática, isso significava que o euro estava perdendo a sua função como reserva de valor, ou melhor, que um euro "espanhol" já não era igual a um euro "alemão". Portanto, o euro espanhol deixara de ser totalmente conversível em euros alemães. Moneta moneres? Não mais.
Uma união monetária não sobrevive sem a sua moneta moneres. É o mandato do BCE - ou de qualquer banco central - preservá-la. Como? Agindo de forma a equalizar os rendimentos dos títulos de curto prazo dos países da zona do euro, eliminando, portanto, o risco de conversibilidade.
Nada mais apropriado do que um romano - Draghi nasceu na "cidade eterna" - para entender que, para salvar o euro, como ele próprio declarou, precisará encarnar Juno e todos os seus epítetos. Juno Curitis, aquela que protege e cura, é o próximo.
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