O GLOBO - 03/08
Debate-se a questão do poder investigatório do Ministério Público brasileiro. Como se sabe, a Constituição optou por dar roupagem bem moderna ao Ministério Público, deferindo-lhe, dentre outros, o poder de, com exclusividade, dar início à formal acusação contra autores de infrações penais, levando-os a julgamento pelo Poder Judiciário.
Tal exclusividade exigiu do Ministério Público certo fortalecimento em suas bases de sustentação, inclusive com o incremento da logística de investigação - afinal, se escalado pelo constituinte para obrar como guardião dos bens mais caros à sociedade, implicitamente também deveria poder munir-se das armas necessárias a tanto.
O aparelho policial e os investigados em geral, no entanto, não se conformam com a eficácia investigatória do Ministério Público. Vêm, pelos canais parlamentares de sempre, investir contra a atuação dos seus membros. Consentem, no máximo, em circunscrever o poder investigatório do Ministério Público à estatura meramente supletiva.
O que se deseja, se aprovada a proposta de emenda constitucional número 37 (em boa hora apelidada de PEC da impunidade), é fazer perigosa inversão na ordem dos fatores: de controlador dos trabalhos policiais, seu principal destinatário e eventual protagonista das investigações criminais - especialmente quando os investigados ostentam os mais altos postos na República -, objetiva-se ver as agências policiais como controladoras da atividade do Ministério Público.
E, pasmem, isto em contexto de reiterada ocorrência de achaques aos cofres públicos e de acentuado quadro de morte de civis em confrontos com policiais, que se assemelha, se não supera, a índices de guerra civil. Sem falar, igualmente, nos resultados pouco animadores do percentual de resolução das investigações policiais.
Certamente que se reconhecem a importância e a relevância do trabalho policial, a adversidade com a qual os profissionais da polícia têm que operar e até mesmo os baixos salários suportados pelos chefes de família que compõem tão necessário organismo. Tais fatores, no entanto, não sustentam tão baixos índices de efetividade das investigações criminais, gerando altíssimo grau de arquivamento dos inquéritos policiais que chegam ao Ministério Público.
Há quase uma década, a relatora especial da ONU para execuções sumárias, arbitrárias e extrajudiciais, Asma Jahangir, já preconizava a necessidade de o Ministério Público dispor de grupo de investigadores para realização de investigações independentes, o que ocorre em todas as nações democráticas do mundo, salvo raríssimas e pouco recomendáveis exceções.
Portanto, para se evitar lamentável retrocesso histórico, e em atenção à expectativa de todo corpo social e da comunidade internacional, aguarda-se que o Supremo Tribunal Federal e o Congresso Nacional assegurem o poder investigatório do Ministério Público.
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