O ESTADÃO - 03/08
Na condução da política econômica, o governo continua aferrado a uma visão de mundo peculiar, que o leva a ter forte resistência a políticas horizontais e preferência inequívoca por medidas particularistas, focadas em setores específicos, ou até mesmo em empresas, e formuladas ao sabor de interesses especiais de todo tipo. O que requer problemática gestão de uma complexa rede de guichês de favores. Sobram razões para ver com apreensão essa forma de conduzir a política econômica. Algumas das dificuldades envolvidas afloraram com nitidez nas últimas semanas.
Há cerca de um ano, o governo vem fazendo grande alarde com a ideia de desoneração da folha de pagamentos da indústria. Mas, em vez de anunciar simples redução da alíquota de contribuição patronal, partiu para injustificável mudança de base fiscal. Contribuição paga sobre faturamento e não mais sobre a folha, com alguma desoneração embutida na troca. Tudo isso em quatro setores, escolhidos a dedo. Muito barulho e poucas nozes. O valor total da desoneração aos setores agraciados foi inicialmente estimado em não mais que R$ 1,4 bilhão até o fim de 2012. Cerca de 0,03% do PIB.
Há poucos meses ainda havia esperança de que tal programa pudesse ficar restrito aos quatro setores inicialmente escolhidos. E de que, aos poucos, o governo afinal percebesse que a desoneração da folha poderia ser feita de maneira incomparavelmente mais simples, sem o lamentável e desnecessário retrocesso da tributação sobre faturamento. Ledo engano. Em abril, assustado com a desaceleração da economia, o governo, por meio da Medida Provisória (MP) 563, estendeu o esquema de desoneração a 11 outros setores, ao mesmo tempo em que reduziu a alíquota de contribuição sobre faturamento que vinha sendo paga pelos setores que já haviam sido incluídos no programa. Mas a coisa não ficou por aí. Ainda faltava submeter a MP ao Congresso.
O Executivo tem condições de atender com mais desenvoltura os amigos do rei quando consegue atuar sozinho, sem a ingerência do Congresso.
Basta ter em conta, por exemplo, o caso do vasto orçamento paralelo montado no BNDES, nutrido com transferências diretas do Tesouro, que tem permitido ao governo manejar montantes gigantescos de recursos públicos como bem entende, a salvo do crivo do Congresso. O problema é que nem sempre o Executivo consegue atuar sozinho. E, quando o Congresso tem de entrar na jogada, a coisa se complica. Se o nome do jogo é atender os amigos do rei, o Congresso logo se encanta, pronto a participar da iniciativa. A seu modo. E de todos os lados, surgem régulos empenhados em atender os amigos dos régulos. Foi o que se viu na votação da MP 563 em meados de julho.
De nada adiantou a gigantesca bancada da base aliada na Câmara. O amadorismo da Fazenda logo sucumbiu diante da atuação concertada dos profissionais do Congresso. A banda tocou como os régulos queriam. E, para grande contrariedade do governo, a Câmara aprovou a inclusão no esquema de desoneração de vários outros setores, como transporte de carga e de passageiros (rodoviário, marítimo e aéreo), brinquedos, granito e mármore e parte do agronegócio (carnes, soja e trigo).
Tudo indica que o que começou como um programa bastante restrito de desoneração está dando lugar, agora, a uma mudança bem mais abrangente de base fiscal, com generalização da impensada cobrança de contribuição patronal sobre faturamento, que deve desfigurar ainda mais o já problemático sistema tributário com que conta o país. Tendo em vista os custos políticos, em ano eleitoral, de um veto do Executivo à inclusão desses novos setores, o governo agora considera a possibilidade de partir para rápida ampliação da abrangência do seu programa de desoneração da folha. E de reduzir, se necessário, a meta de superávit primário, para acomodar o custo fiscal envolvido, que excederia em larga margem o acanhado limite de 0,17% do PIB, contemplado inicialmente na MP 563. Em meio às contradições do favoritismo, um erro leva a outro.
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