domingo, agosto 05, 2012

A doutora Dilma detonou o mensalão 2.0 - ELIO GASPARI

O GLOBO - 05/08

O golpe financeiro que abasteceria Marcos Valério tentou voltar à tona e morreu com uma canetada

A trama do mensalão tem um aspecto raramente mencionado. Quem entraria com o paganini? O comissariado pedia dinheiro a Delúbio Soares, ele repassava a demanda a Marcos Valério, que, por sua vez, tomava empréstimos nos bancos Rural e BMG. Na sua conta, o PT deve-lhe R$ 100 milhões. Certo mesmo é que ele deve R$ 83 milhões. Tudo bem, mas quem quitaria essas dívidas?

Em outubro de 2003, Delúbio Soares estava no esplendor de sua fama. A essa época, batalhava o encerramento da liquidação do Banco Econômico, fechado durante o governo de Fernando Henrique Cardoso.

Litigando com o Banco Central, Angelo Calmon de Sá, ex-dono do Econômico, sustentava que tinha créditos de R$ 6,3 bilhões, suficientes para quitar seus débitos. O BC sustentava que esses créditos não valiam e seu presidente, Henrique Meirelles, blindou-se, mesmo quando foi pressionado por parlamentares petistas.

Se abrissem o cofre, todas as instituições interessadas poderiam reivindicar até R$ 40 bilhões. Diante de semelhante ervanário, os R$ 100 milhões devidos pelo comissariado seriam gorjeta.

O repórter Fernando Rodrigues revelou que Marcos Valério relembrou a Delúbio seu interesse no caso do Econômico durante um encontro às vésperas de seu depoimento ao Ministério Público. Tipo me-ajuda-senão-eu-falo. Prometeram-lhe apoio, mas deixaram-no na estrada. Ainda bem.

Passou o tempo e, enquanto se discutia o velho escândalo, a manobra reapareceu, mansinha. A ressurreição dos créditos foi contrabandeada na medida provisória 517, também conhecida como "MP Frankenstein", porque nela havia de tudo.

Aprovada pelo Congresso, teve pareceres contrários da advocacia do Banco Central. Os patrocinadores de Marcos Valério mobilizaram-se, jogando pesado, sob a liderança dos controladores do falecido Banco Nacional e o socorro da elite operacional do PMDB. Sinal dos tempos, tentaram dobrar o BC, mas não bateram à porta do Planalto. Em junho de 2011, a doutora Dilma vetou o dispositivo que permitia o arranjo. Ela sabia de tudo, de todos, há tempos.

O episódio perdeu-se nos silêncios que cimentam a unidade de base aliada. Quem dançou não reclamou e quem prevaleceu calou-se.

Se em 2003 o doutor Delúbio Soares tivesse sido avisado de que a manobra do resgate dos bancos quebrados não teria o amparo do Planalto, não teria acontecido o "Mensalão 1.0". Mesmo depois da explosão do escândalo, havia companheiros apertando o Banco Central. Com o veto de Dilma, e com a resistência de alguns servidores do Estado, evitou-se o "Mensalão 2.0".

BALA DE PRATA

O comissariado sonha com uma manobra que impeça o ministro Cezar Peluso de votar no julgamento do mensalão.

Pretende-se forçar o calendário para levá-lo à aposentadoria compulsória no dia 3 de setembro, quando completa 70 anos.

Como dizia doutor Tancredo Neves, esperteza, quando é muita, come o dono.

Na hipótese de um resultado apertado, como ficaria o Supremo Tribunal depois que se soubesse como Peluso teria votado?

JK E A IMPRENSA

Depois de sete anos de trabalho, Luís Fernando Freire concluiu os originais de mil páginas, em dois volumes, da edição comentada do arquivo deixado pelo seu pai, o senador Vitorino Freire (1908-1977).

Homem valente, leal e direto, Vitorino enriqueceu o folclore da política brasileira com frases como: "Se você vê um jabuti numa forquilha, não mexa nele, porque alguém o pôs lá. Jabuti não sobe em forquilha".

Entre os 1.500 documentos catalogados por Lula Freire está uma carta confidencial do líder do governo no Senado, Filinto Müller, de setembro de 1956. Nela, informa a Vitorino que o presidente Juscelino Kubitschek, reunido com o comando político do governo, decidira mandar ao Congresso uma mensagem com o anteprojeto de uma "Lei de Responsabilidade da Imprensa".

Vitorino foi para a tribuna e disse que "toda tentativa de calar a imprensa volta-se com razão, violentamente, contra o governo, que só deve ter medo dos jornais se tiver duvidosas contas a prestar".

A iniciativa foi esquecida.

GABBY E SARAH, ESPORTE E VONTADE

Quem tiver algum tempo para perder num domingo, sapeie a história de Gabby Douglas, a ginasta americana de 16 anos que arrastou as medalhas de ouro da ginástica feminina.

Atrás daquele sorriso de Michelle Obama há a história emocionante de uma menina que saiu de casa na Virginia aos 14 anos e foi morar com uma família do Iowa para poder treinar com o técnico chinês Liang Chow.

Quem viu "Karatê Kid" ou "Karatê Girl" emocionou-se com ficção. Gabby fez melhor, na vida real, sem violência. Ela foi a primeira negra a levar para casa o ouro da ginástica e a primeira americana a ganhar nas provas individual e de equipe.

Com três irmãs criadas por uma mãe divorciada, sua vontade de ferro levou-a para um fim de mundo, onde foi recebida pela família de um pequeno empresário onde já havia quatro crianças. A mãe e a protetora de Gabby torceram juntas em Londres, uma negra, outra loura como uma ginasta russa. Quando embarcou, seu único patrocinador era Procter & Gamble. Agora terá quantos quiser.

Enquanto as ginastas de Estados fortes (Rússia, China e Romênia) são amparadas e controladas por máquinas que buscam propaganda para os governos, Gabby saiu da tessitura da sociedade: vontade, independência e sentido de comunidade. Isso para não se falar da religiosidade da menina.

A marca dessa sociedade está também na história do técnico Liang Chow. Ele foi um premiado ginasta na China e em 1990 aceitou uma bolsa para estudar inglês e trabalhar como instrutor na Universidade do Iowa.

Abriu o Instituto Chow de Dança e Ginástica em Des Moines (menor que Teresina) e tem três ginastas na equipe nacional de juniors.

Para atrair clientela, oferece festas de aniversário com uma hora de exercícios e 30 minutos de cantoria e brincadeiras. As famílias levam os doces.

Exemplos como esses ensinam que o Brasil vai melhor do que se pensa. Sarah Menezes, que levou o ouro no judô, tem o mesmo jeitão de Gabby. Começou treinando no Sesc Ilhotas, com Expedito Falcão. Ele hoje tem sua própria academia.

Há lotes de cartolas do comissariado esportivo federal em Londres, mas nenhum visitou o Sesc Ilhotas, assim como não tiveram tempo para ir à inauguração do centro de treinamento que a BM&F Bovespa construiu em São Caetano do Sul. Não fizeram falta. Os atletas foram.

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