domingo, junho 24, 2012
Os tropeços na América Latina - SUELY CALDAS
O Estado de S.Paulo - 24/06
No Paraguai o presidente tem seu mandato cassado, na Argentina uma greve de caminhoneiros paralisa o país, na Venezuela o presidente some para tratar de um câncer e deixa a nação desgovernada, no Brasil a classe política não dá trégua - manipula uma CPI, aumenta sem limites seus próprios salários, um ex-presidente tenta interferir no Judiciário e ressuscita um político acusado de corrupção que os brasileiros querem é esquecer. Na América Latina morre-se de tudo menos de tédio. A instabilidade política e econômica interfere no presente, prejudica o futuro, domina a cena e atrasa o desenvolvimento.
A pesquisa Panorama Global dos Negócios, da Fundação Getúlio Vargas (FGV), comprovou isso em consulta feita a 811 executivos de empresas na América Latina. A boa reação à crise global de 2008 e a recuperação econômica do continente entre 2009 e 2011 estão gravemente ameaçadas em 2012. Na pesquisa, 43% dos executivos financeiros mostraram pessimismo em relação ao futuro enquanto só 27% estão otimistas. Um pouco melhor do que nos EUA e Europa, centros nervosos da crise, onde o otimismo convence só 25,1% dos norte-americanos e 20,8% dos europeus. Mas por aqui a esperança já foi mais robusta.
A corrupção - sempre ela - é apontada na pesquisa como o problema maior a atrapalhar o desenvolvimento dos negócios. Para 71% dos executivos, as práticas corruptas têm poderoso efeito sobre a evolução das economias latino-americanas. "É um índice muito alto comparado com outras regiões. Aqui a corrupção é muito mais endêmica", analisa Antonio Carvalho, que comandou a pesquisa da FGV. Nos EUA, por exemplo, só 8% consideram que a corrupção prejudica os negócios.
No Brasil, de 7,5% de crescimento registrado em 2010, o PIB desabou para 2,7% em 2011, e em 2012 as previsões têm caído continuamente - hoje oscilam entre 2% e 2,5%. O banco Credit Suisse baixou a sua para o raquítico índice de 1,5%, o que deixou irritado o ministro Mantega. Se, em vez de fazer apostas irreais, que nunca se confirmam, o ministro trabalhasse para remover os entraves estruturais ao crescimento, com certeza colheria melhores resultados.
Mas vem da Argentina outro abalo tão rápido e surpreendente como a queda de Lugo. Em dezembro passado, na euforia da posse da presidente Cristina Kirchner, 38% dos argentinos consideravam a situação econômica do país boa e apenas 17% a viam como ruim, segundo o Índice Geral de Expectativas, da Universidade Católica Argentina. Em apenas cinco meses a euforia murchou, os pessimistas dobraram para 34% e os otimistas desabaram para 24%. No meio disso, a inflação cresceu e o governo continuou manipulando o índice, o ritmo dos investimentos caiu 21% entre março de 2011 e 2012, os investidores se retraíram diante da tentativa da presidente de usar a nacionalização da petrolífera espanhola Repsol para recuperar popularidade política, a economia desacelerou e estagnou desde abril e as projeções de crescimento do PIB (o FMI, por exemplo, estimava em 4,6%) são revistas para baixo. Para completar, na quarta-feira, uma greve de caminhoneiros paralisou os transportes e deixou o país sem combustível, enfraquecendo ainda mais a pálida popularidade de Cristina.
O que impressiona (e alimenta esperanças) é a manutenção do emprego em índices elevados em uma conjuntura de desaceleração econômica. E não é só no Brasil. Na pesquisa, simultaneamente ao crescente pessimismo, executivos das empresas latino-americanas apostam em expansão na contratação da mão de obra em 2012. No Brasil, economistas tentam explicar que a dispensa de trabalhadores é a última das medidas de prevenção contra conjunturas de desaquecimento da economia. Não foi bem assim na crise de 2008, quando, assustadas em relação ao futuro, grandes empresas logo trataram de demitir empregados. E assim caminha a América Latina, instável, em tropeços, altos e baixos. De repente acontece o inesperado, como esse impeachment de Lugo. Uma reforma política, a mãe de todas as outras, faria bem ao Continente.
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