O número nas duas cimeiras, Rio+20 e G20, é coincidência. Já a falta de resultados não é
Os líderes do planeta passaram a semana na praia. Em Los Cabos (México) discutiram a crise econômico-financeiro-social global; no Rio de Janeiro, a crise socioambiental global. Para aquele marciano da piada, teria sido mais negócio descer no primeiro balneário. Se viesse direto para o segundo, não encontraria Barack Obama. Nem Angela Merkel e David Cameron, que tampouco emendaram a reunião de cúpula do G20 com a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável. Os três grandes ausentes da Rio+20 deixaram bem claro que o caos na economia os preocupa bem mais que o caos ambiental. Como se não houvesse uma correlação entre os dois e apenas um deles exigisse atenção máxima e decisões firmes e imediatas.
O número 20 é coincidência. O impasse nas duas cimeiras, não. Só em oftalmologia 20/20 é uma boa combinação.
O G20 ainda era G7 quando se reuniu pela primeira vez, por causa da crise do petróleo e da recessão de 1974. Os sete grandes ficaram de repensar o capitalismo, mas, a rigor, apenas relaxaram as regras e a vigilância que, ao menos teoricamente, poderiam mantê-lo funcionando em benefício do maior número de pessoas. As consequências do laxismo culminaram no apagão financeiro de 2008. Só o setor bancário e de câmbio enfrentaram 332 crises, algumas sistêmicas, entre 1970 e 2008.
Criado em 2003, o G20 foi um canto de sereia para atrair o excedente asiático e, em seguida, o surplus dos Brics, da Arábia Saudita e da Turquia. As promessas feitas pelos próceres do G7-uma infraestrutura regulatória mais robusta para as finanças e um papel maior do G20 nas instituições financeiras internacionais- não saíram do ovo.
"Para injetar recursos, precisamos ter um certo controle", argumentou, com lógica meridiana, Li Dakoui, do comitê de políticas econômicas do Banco Central da China. "Não podemos emprestar dinheiro para que o gastem irresponsavelmente", prosseguiu o representante de uma economia que escapou do veneno dos derivativos, do consumo conspícuo subsidiado e dos empréstimos fáceis dos bancos de um certo Ocidente. "Não é justo que vocês, ricos, continuem levando uma vida luxuosa, pegando empréstimo com os pobres", arrematou Li. Na moleira.
Incentivos ao crescimento, garantia de estabilidade, apoio a uma união fiscal europeia mais forte - tudo isso se falou em Los Cabos, e continuará sendo falado na próxima semana, quando o G20 voltará a reunir-se, longe da praia, para reiterar promessas de novos recursos para o FMI, ampliação do poder dos países emergentes no Fundo, e, como gostava de dizer o rei do Sião, etc, etc, etc. Ações efetivas? A ver. Em dois anos de crise do euro, a única solução posta na mesa foi a austeridade contraproducente, proposta e defendida com pétrea caturrice por frau Merkel. Nem o aliado Obama acredita em sua eficácia.
Há dias, Raymond Torres, diretor do Institute for International Labour Studies, pôs na mesa um dado bem mais que curioso: países que optaram por medidas macroeconômicas voltadas para o emprego tiveram melhores resultados econômicos e sociais, muitos deles tornaram-se mais competitivos e contornaram a crise com mais facilidade que os que seguiram o caminho da austeridade.
O marco histórico da Rio92 não teve continuidade em Johannesburgo, em 2002; nem em Durban, seis meses atrás, com dados ainda mais alarmantes sobre o meio ambiente à sua disposição, as autoridades ditas competentes esboçaram um planejamento urgente para reverter a destruição do nosso ecossistema. Sobrou para a Rio+20. Agradecemos a honra, a primazia, mas, apesar dos esforços da presidente Dilma e do Itamaraty, a impressão que ficou é de que não avançamos nada, que perdemos mais uma oportunidade de alterar o curso da história, de virar o jogo do desenvolvimento sustentável (ou o ambientalismo dos pobres) contra o capitalismo verde (ou o ambientalismo dos ricos).
Dos 90 objetivos importantes agendados para a Rio+20, apenas 4, se tanto, emplacaram satisfatoriamente. O resto ficou na promessa. A preservação e a capacidade de recuperação socioambiental do planeta continuaram comprometidos.
Não há o que comemorar. A menos que se considere meritória - e ecologicamente produtiva - a prensa que a anfitriã da Rio+20 deu em Ban Ki-moon após sua crítica à falta de ambição do texto a duras penas coordenado pelo ministro Patriota, recolha-se o champanhe. Nem depois que o representante máximo da ONU foi a Canossa e qualificou o documento de "ambicioso, amplo e prático" o sentimento geral de frustração diminuiu. Ao contrário, cresceu.
Como Washington Novaes aqui previu, semanas atrás, a declaração final da Rio+20 resultou genérica e sem compromissos obrigatórios, com prazos certos e cobráveis. "Ganhou a burocracia, perdeu a Terra", resumiu à perfeição o correspondente do El País no Brasil, Juan Arias.
A exemplo do modelo de gestão da economia mundial, o modelo de discussões sobre o meio ambiente, privilegiando acima de tudo a eliminação de pontos polêmicos, o acochambramento prévio, já deu o que tinha que dar, esgotou-se.
Como buscar consenso entre partes aparentemente irreconciliáveis, com interesses antagônico? As grandes corporações veem a natureza como simples commodity e, com honrosas exceções, não se interessam em aumentar o custo de sua produção para implementar as reformas necessárias à superação da crise global de sustentabilidade, preferindo investir milhões de dólares no boicote a políticas que, na sua visão estreita, cerceiam a livre iniciativa e comprometem o progresso.
A pindaíba global em curso deu novo alento à desconversa. Que ninguém se surpreenda se, na próxima cimeira climática, um ambientalista dos ricos invocar a palavra mágica "austeridade", sugerindo que economizemos até o nosso consumo de água e oxigênio.
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