sábado, abril 21, 2012
A volta de Mad Men - SÉRGIO AUGUSTO
O ESTADÃO - 21/04/12
Que diabos faz uma série de TV neste espaço consagrado aos livros?
Se você se fez essa pergunta é sinal de que nunca viu Mad Men ou não a acompanhou com a devida atenção, nem tomou conhecimento de que há pelo menos dois livros que a ela se referem lançados entre nós: O Guia Não Oficial de Mad Men - Os Reis da Madison Avenue, de Jesse McLean (Best Seller), e Mad Men - Comunicados do Front Publicitário, de Jerry Della Femina (Record). Muitos outros, explorando a série dos mais variados ângulos (seus drinques, suas comidas, sua moda, suas locações, suas implicações filosóficas, estéticas, nostálgicas e psicanalíticas), ainda aguardam uma tradução.
Não tocarei em nenhum deles, pois são outras obras, de ensaio e ficção, que justificam a presença, aqui, de Mad Men, cuja quinta temporada tem início na próxima segunda-feira (HBO, 22 h), após longo e lamentável interregno. Conselho aos que nunca viram a série: assistam primeiro às temporadas anteriores, disponíveis em DVD. Ela exige imersão lenta para melhor proveito de sua lânguida e inebriante narrativa, de sua opacidade onírica, e uma progressiva familiaridade com os personagens e seu milieu, a selva dos “hidden persuaders” da Madison Avenue, na primeira metade dos anos 1960.
(The Hidden Persuaders: título original de A Nova Técnica de Convencer, o mais lido estudo sociológico sobre a moderna lábia persuasiva da publicidade, escrito por Vance Packard em 1956.)
Antes de me deixar hipnotizar pela urdidura de sua trama, pelos diálogos e pelo elenco, Mad Men me pegou pela impecável reconstituição dos ambientes e do ethos cultural daquele tempo - pela ambience, enfim. Conheci Nova York no final de 1963; era aquilo mesmo. Nascido em 1965, Matthew Weiner, criador e produtor da série, precisou confiar na precisão das imagens que, do período, Hollywood nos legou. A decoração dos sets parece ter sido feita pela mesma dupla, Stuart A. Reiss-Walter M. Scott, que para a Fox desenhou os escritórios de Sob o Signo do Sexo (The Best of Everything) e O Homem do Terno Cinzento, ou pelo Edward G. Boyle de Como Vencer na Vida Sem Fazer Força, este disponível no YouTube: veja e compare os cenários - e também o ator Robert Morse, 44 anos mais novo, com o octogenário Bertram Cooper, patriarca da agência SCDP (Sterling Cooper Draper Pryce).
Livros como o de Packard, The Best of Everything (novelão de Rona Jaffe sobre o mundo editorial nova-iorquino de 1958), O Homem do Terno Cinzento (de Sloan Wilson) e outras obras canônicas da época, como Confissões de Um Publicitário (de David Ogilvy), A Multidão Solitária (de David Riesman), A Revolta de Atlas (de Ayn Rand), O Grupo (de Mary McCarthy) e O Crisântemo e a Espada (de Ruth Benedict), quando não citadas ou lidas por um personagem, aparecem em estantes e mesinhas de cabeceira. Um dos encantos de Mad Men, portanto, é sua valorização da leitura, da cultura livresca. Um dos protagonistas, o grisalho Roger Sterling, está prestes a editar um livro de memórias.
Referências diretas e indiretas a Mark Twain, Balzac, Melville, F. Scott Fitzgerald, William Faulkner, Frank O’Hara (o fundamental poeta de Meditations in an Emergency), John Cheever, D.H. Lawrence inserem-se com naturalidade na narrativa, e até Mein Kampf encontrou uma brecha num dos primeiros episódios da próxima temporada. Creio que só num filme de Godard encontraremos mais alusões literárias do que em Mad Men.
Na eclética bibliografia em trânsito nas quatro primeiras temporadas de Mad Men não encontrei nenhuma obra de ficção premiada com o Pulitzer ou o National Book Award. A nova temporada parte de 1966, ano em que Katherine Ann Porter (já citada na série, via A Nau dos Insensatos, seu único romance) acumulou, por seus contos, os dois galardões.
O Pulitzer é o Oscar do livro e o NBA, o Golden Globe. O primeiro tem mais prestígio popular; o segundo, melhor reputação. O NBA, premiando o melhor da prosa americana desde 1950, nunca negou fogo; o Pulitzer já: em 95 anos, dez vezes bateu mesa. Em 2012 não escolheu ninguém em ficção. Havia 35 anos que isso não ocorria.
A combalida indústria de livros, ainda abalada pelos últimos reveses na guerra contra o monopólio da Amazon e suas edições digitais, subiu nas tamancas. Idem autores, livreiros e críticos literários. O agito em torno do Pulitzer sempre impulsiona as vendas. Sem prêmios, só a indignação ganha espaço na mídia; e ela tem vida curta.
“Foi uma bofetada no rosto do mundo literário”, estrilou Laura Miller, crítica da Salon, para quem 2011 teve uma colheita excepcional de bons livros de ficção. Depois de ler 341 títulos, um trio de jurados composto pelo escritor Michael Cunningham, a ex-editora Susan Larson e a crítica Maureen Corrigan selecionou três finalistas: Sonhos de Trem, de Denis Johnson (traduzido pela Companhia das Letras); Swamplandia, da estreante Karen Russell; e The Pale King, o inacabado romance de David Foster Wallace, arrematado por seu editor. Submetidos, como de praxe, ao veredito dos cardeais da instituição, nenhum emplacou.
Se a peneiragem já é deficiente, dada a enorme quantidade de livros em competição, a escolha final depende sempre de um júri comprometido, acima de tudo, com o paladar literário do americano médio. Em 1971, o board do Pulitzer rejeitou obras de Eudora Welty, Saul Bellow e Joyce Carol Oates. Em 1974, embora recomendado por unanimidade pelo comitê de seleção, O Arco-íris da Gravidade, de Thomas Pynchon, foi solenemente ignorado. Como desta vez foram, por exemplo, Jeffrey Eugenides e Teju Cole.
Melhor voltarmos a 1966. Mad Men na veia.
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