sábado, abril 21, 2012

Por que os impostos não bastam - EDITORIAL 0 ESTADÃO


O Estado de S.Paulo - 21/04/12


A situação fiscal brasileira é bem melhor que a da maior parte dos países desenvolvidos, mas bem pior que a da maioria dos emergentes, segundo números divulgados pelo FMI. Para cobrir suas necessidades de financiamento - dívida vencida e déficit orçamentário -, o governo brasileiro precisará do equivalente a 18,5% do Produto Interno Bruto (PIB) neste ano e 18% no próximo. A maior parte do problema decorre do pesado endividamento acumulado ao longo de muitos anos, mas o resultado corrente da execução orçamentária também é muito menos brilhante que o de vários outros países. A disciplina fiscal tem sido insuficiente para permitir uma estabilização duradoura das contas públicas e para livrá-las do peso de juros excessivos.

O Brasil aparece em terceiro lugar, pela magnitude do financiamento necessário, numa lista de 23 emergentes. Só é superado pelo Paquistão, um país com forte instabilidade política e graves problemas de segurança, e pela Hungria, um dos membros da União Europeia mais afetados pela crise global dos últimos anos. Em 2012, o governo precisará de dinheiro para financiar um déficit fiscal de 2,3% do PIB e uma dívida equivalente a 16,2%. Para 2013 estão previstos um déficit de 2,4% e vencimentos correspondentes a 15,7% do PIB.

Neste ano, as necessidades de cobertura correspondem a pouco menos que o dobro da média ponderada dos 23 países - 9,5% do PIB. Países sul-americanos estão entre aqueles em melhor situação, nesse conjunto. O campeão da saúde fiscal é o Chile, com déficit orçamentário de 0,3% e compromissos a liquidar de 1% do PIB. As previsões para o Peru indicam um superávit fiscal de 1,1% e dívida a pagar de 2,5% do PIB. A Colômbia também aparece em posição confortável, com uma necessidade total de cobertura de 3,9%. Esses três países têm obtido uma invejável combinação de estabilidade fiscal, inflação controlada e crescimento firme dos negócios.

No Chile, a solidez dos fundamentos macroeconômicos tem facilitado o crescimento e a modernização do país por mais de duas décadas. O governo chileno adotou há muitos anos uma gestão fiscal baseada num princípio simples, mas muito saudável: economizar nos anos de prosperidade, quando a receita de impostos se eleva, e gastar nos anos difíceis o suficiente para estimular a economia.

A fidelidade a essa política permitiu também a criação de um fundo soberano de investimentos, usado como importante alavanca do crescimento econômico. Muito diferente é o fundo soberano instituído pelo governo brasileiro, formado com a emissão de títulos públicos, isto é, com endividamento. Fundos desse tipo são normalmente alimentados, na origem, com um excedente fiscal - inexistente no Brasil - ou com recursos provenientes de um superávit externo.

Entre os vários países com necessidades de financiamento público menores que as do Brasil há alguns com déficits fiscais proporcionalmente maiores, como Índia, Polônia, Malásia e África do Sul, mas em todos esses casos o peso da dívida pública é muito menor. O governo da Malásia, por exemplo, deve ter neste ano um déficit fiscal de 4,3% do PIB, mas a despesa com a dívida prevista para o ano é de apenas 3,3%. A necessidade total de cobertura (7,6%) é menos da metade daquela projetada para o caso brasileiro.

A dívida pública brasileira é uma velha herança. Aumentou consideravelmente nos anos 80, quando os juros internacionais subiram muito. Mais de 40 países foram arrastados pela crise da dívida, a partir de 1982. Mas seus governos foram capazes de reorganizar as contas públicas e de reduzir o peso da dívida. O Brasil continuou prisioneiro do endividamento inflado naquele período e, além disso, permitiu o aumento de seu peso nos anos seguintes.

No entanto, a carga tributária brasileira é maior que a de todos ou quase todos os países emergentes e até mais pesada que a de algumas economias avançadas, como os EUA e o Japão. O governo arrecada muito, mas vive num aperto financeiro muito maior que o observado em outros países emergentes. Isso acontece por razões políticas e tem forte relação com a moralidade da gestão pública.

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