REVISTA ÉPOCA
Não sou partidário do uso, mas não suporto a hipocrisia em torno do assunto. É tão fácil comprar como sorvete
Fumei maconha pela primeira vez aos 17 anos. Estava com meus colegas de classe quando alguém ofereceu. O cigarrinho rodou, com todos dando suas tragadinhas e se mostrando "experientes". Também quis parecer vivido, aspirei a fumaça com naturalidade. Tossi incontrolavelmente, enquanto os outros riam e me davam pancadas nas costas. Uma humilhação, pois puxar fumo já era, naqueles tempos, um ritual de integração com os mais admirados da turma. A segunda vez nem me lembro bem. Acho que tossi igual. A terceira aconteceu pouco tempo depois. Estava numa festa, e a maconha era oferecida em bandejas, como quitutes. (Ninguém pense que eu andava com uma turma da pesada, éramos todos jovens de classe média para cima, estudantes, com famílias certinhas.) Dei duas ou três tragadas lá pelas 2 da manhã. Permaneci as quatro horas seguintes olhando as palmas das minhas mãos. Ainda lembro de uma garota de uns 25 anos, preocupada:
- Você está bem?
- Muuuiiitttooooo beeeeeemmmmmm, óóóótiiiimoooo.
- Aquilo devia ser forte!
Quando amanheceu, o dono da festa me botou na rua e me arrastei com duas amigas até o ponto de ônibus.
Nunca mais fumei. Simplesmente, não faz parte da minha personalidade ter qualquer vício. Só bebo socialmente. Fumo um charuto por dia quando paro de trabalhar, na madrugada. Falta não faz, fico meses sem charutos. Talvez por ter tido um avô alcoólatra, tenho horror a qualquer tipo de dependência.
Conheci pessoas que fumaram maconha ao longo de décadas. Minha impressão é que têm pouca capacidade de realização. Um conhecido prometia:
- Vou começar um projeto de teatro.
No dia seguinte, o tonto aqui perguntava:
- E aí, falou com alguém?
- Amanhã eu falo.
E, de amanhã em amanhã, as propostas se esfiapavam.
Mas já encontrei pessoas de sucesso profissional que fumam, sim, com frequência. Não sou especialista no tema, não conheço os efeitos no metabolismo e tudo mais. Só não suporto a hipocrisia em torno do assunto.
A maconha é proibida. É mesmo?
Em Camburi, uma praia sofisticada do Litoral Norte de São Paulo, no verão a rapaziada fuma a céu aberto. Nos fins de tarde, o difícil é não sentir o cheiro. Os mais discretos sobem nas pedras. Ficam em roda aspirando a fumaça e olhando o poente. Vão me dizer que a polícia não sabe? E no Rio de Janeiro? Certa vez recebi um pessoal em meu apartamento no Leblon. Um deles perguntou se eu tinha, respondi que não. Saiu para dar uma volta, pois era a primeira vez que ia à cidade. Reapareceu 15 minutos depois. Tinha comprado. Ofereceram na rua. O mesmo acontece pelo país afora. É tão fácil comprar maconha como sorvete.
Propaganda do produto também não falta. Nos filmes americanos (outro país onde não é legal), é comum um personagem passar um cigarrinho ao outro. Sempre de um jeito simpático. Mais que isso: frequentemente a maconha é apresentada de forma positiva. No filme Professora sem classe (Bad teacher), lançado no ano passado, a mestra, interpretada pela simpática Cameron Diaz, fuma maconha direto. Há uma cena em que ela e o professor de educação física (Jason Segel) dão suas tragadinhas na quadra da escola, divertem-se e namoram. O professor de educação física fumando não passa a ideia de que maconha é saudável? No final, a professora maconheira é promovida a orientadora.Uau! Se eu fosse criar uma propaganda, não teria ideia melhor. Nos Estados Unidos, ganhou prêmios como filme teen. No Brasil, classificado para 14 anos. É para adolescentes! Fico curioso com o critério usado pelo Ministério da Justiça para a classificação indicativa.
Não sou partidário do uso da maconha. Mas contra a hipocrisia que se tornou a discussão pela liberação. Simplesmente porque o produto já está liberado. Se a propaganda subliminar via cinema é aceita, se pode ser comprado facilmente e até fumado em locais públicos, como manter a balela de que é proibido?
Nunca vi alguém capaz de pagar um bom advogado pegar cadeia por maconha. Susto sim. Mas só. Os que pagam o pato são os menos favorecidos.
Funciona como se o país tivesse duas leis. Uma para quem pode, outra para quem não pode. Muitos que hoje se esgoelam contra a liberação fingem não saber que seus filhos e netos são partidários da cannabis.
E, se faz mal como apregoam, não seria o caso de a questão ser assumida abertamente em vez de fingir que a proibição no papel resolve o problema?
Sou caretíssimo. Mas, na próxima Marcha da Maconha, sou bem capaz de ir.
Não sou partidário do uso, mas não suporto a hipocrisia em torno do assunto. É tão fácil comprar como sorvete
Fumei maconha pela primeira vez aos 17 anos. Estava com meus colegas de classe quando alguém ofereceu. O cigarrinho rodou, com todos dando suas tragadinhas e se mostrando "experientes". Também quis parecer vivido, aspirei a fumaça com naturalidade. Tossi incontrolavelmente, enquanto os outros riam e me davam pancadas nas costas. Uma humilhação, pois puxar fumo já era, naqueles tempos, um ritual de integração com os mais admirados da turma. A segunda vez nem me lembro bem. Acho que tossi igual. A terceira aconteceu pouco tempo depois. Estava numa festa, e a maconha era oferecida em bandejas, como quitutes. (Ninguém pense que eu andava com uma turma da pesada, éramos todos jovens de classe média para cima, estudantes, com famílias certinhas.) Dei duas ou três tragadas lá pelas 2 da manhã. Permaneci as quatro horas seguintes olhando as palmas das minhas mãos. Ainda lembro de uma garota de uns 25 anos, preocupada:
- Você está bem?
- Muuuiiitttooooo beeeeeemmmmmm, óóóótiiiimoooo.
- Aquilo devia ser forte!
Quando amanheceu, o dono da festa me botou na rua e me arrastei com duas amigas até o ponto de ônibus.
Nunca mais fumei. Simplesmente, não faz parte da minha personalidade ter qualquer vício. Só bebo socialmente. Fumo um charuto por dia quando paro de trabalhar, na madrugada. Falta não faz, fico meses sem charutos. Talvez por ter tido um avô alcoólatra, tenho horror a qualquer tipo de dependência.
Conheci pessoas que fumaram maconha ao longo de décadas. Minha impressão é que têm pouca capacidade de realização. Um conhecido prometia:
- Vou começar um projeto de teatro.
No dia seguinte, o tonto aqui perguntava:
- E aí, falou com alguém?
- Amanhã eu falo.
E, de amanhã em amanhã, as propostas se esfiapavam.
Mas já encontrei pessoas de sucesso profissional que fumam, sim, com frequência. Não sou especialista no tema, não conheço os efeitos no metabolismo e tudo mais. Só não suporto a hipocrisia em torno do assunto.
A maconha é proibida. É mesmo?
Em Camburi, uma praia sofisticada do Litoral Norte de São Paulo, no verão a rapaziada fuma a céu aberto. Nos fins de tarde, o difícil é não sentir o cheiro. Os mais discretos sobem nas pedras. Ficam em roda aspirando a fumaça e olhando o poente. Vão me dizer que a polícia não sabe? E no Rio de Janeiro? Certa vez recebi um pessoal em meu apartamento no Leblon. Um deles perguntou se eu tinha, respondi que não. Saiu para dar uma volta, pois era a primeira vez que ia à cidade. Reapareceu 15 minutos depois. Tinha comprado. Ofereceram na rua. O mesmo acontece pelo país afora. É tão fácil comprar maconha como sorvete.
Propaganda do produto também não falta. Nos filmes americanos (outro país onde não é legal), é comum um personagem passar um cigarrinho ao outro. Sempre de um jeito simpático. Mais que isso: frequentemente a maconha é apresentada de forma positiva. No filme Professora sem classe (Bad teacher), lançado no ano passado, a mestra, interpretada pela simpática Cameron Diaz, fuma maconha direto. Há uma cena em que ela e o professor de educação física (Jason Segel) dão suas tragadinhas na quadra da escola, divertem-se e namoram. O professor de educação física fumando não passa a ideia de que maconha é saudável? No final, a professora maconheira é promovida a orientadora.Uau! Se eu fosse criar uma propaganda, não teria ideia melhor. Nos Estados Unidos, ganhou prêmios como filme teen. No Brasil, classificado para 14 anos. É para adolescentes! Fico curioso com o critério usado pelo Ministério da Justiça para a classificação indicativa.
Não sou partidário do uso da maconha. Mas contra a hipocrisia que se tornou a discussão pela liberação. Simplesmente porque o produto já está liberado. Se a propaganda subliminar via cinema é aceita, se pode ser comprado facilmente e até fumado em locais públicos, como manter a balela de que é proibido?
Nunca vi alguém capaz de pagar um bom advogado pegar cadeia por maconha. Susto sim. Mas só. Os que pagam o pato são os menos favorecidos.
Funciona como se o país tivesse duas leis. Uma para quem pode, outra para quem não pode. Muitos que hoje se esgoelam contra a liberação fingem não saber que seus filhos e netos são partidários da cannabis.
E, se faz mal como apregoam, não seria o caso de a questão ser assumida abertamente em vez de fingir que a proibição no papel resolve o problema?
Sou caretíssimo. Mas, na próxima Marcha da Maconha, sou bem capaz de ir.
Não sou partidário do uso, mas não suporto a hipocrisia em torno do assunto. É tão fácil comprar como sorvete
2 comentários:
Parabéns belo post
Belo artigo.
Realmente é muita hipocrisia no Brasil - de um lado crentes assustados com tudo e do outro políticos desinteressados ou então envolvidos com o narcotráfico. E o trabalhador que curte um baseado nos fins de semana no meio disso, apanhando de todos os lados.
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