O GLOBO - 21/04/12
O poder que evita o desgoverno não pode ele mesmo desgovernar-se
O país acompanhou, entre espantado e preocupado, a troca de farpas entre dois ministros do Supremo Tribunal Federal, coincidindo com a mudança de presidente na mais prestigiosa entidade da Justiçabrasileira.
Ministros do Supremo são seres humanos, e portanto sujeitos a oscilações de humor e a irritações. Mas, no caso dos ministros atualmente em exercício no STF, eles precisariam fazer um pacto de bom comportamento.
O Supremo — como o nome está dizendo — é a pedra de toque de todo o sistema constitucional brasileiro. Se ele desaparecesse, o nosso organismo jurídico seria como uma casa sem teto. Além de tudo, cabe ao STF dirimir conflitos entre os poderes da República, o que lhe confere um status ainda mais especial. Sendo assim, os ministros do Supremo podem ter os sentimentos que quiserem, inclusive em relação a seus colegas. Mas esse dado inevitável de humanidade precisa ser filtrado através de uma boa dose de compostura.
Não basta que o Supremo aja corretamente, no desempenho de suas tarefas. Seus membros precisam passar pelo menos a impressão de que são impassíveis, imparciais, objetivos — a Justiça na sua acepção mais estrita. Se não for assim, como poderão atuar na última fronteira da vida institucional?
Para citar um exemplo de agora, a nação inteira espera que o STFdesembrulhe, no menor prazo possível, a assustadora questão do mensalão. Como isso pode ser feito se os ministros não estiverem solidamente sentados em suas cadeiras, representando o melhor dos critérios de justiça, o maior conhecimento do Direito? Isto se torna ainda mais necessário numa época em que tudo é submetido a um máximo de exposição. As câmeras da TV invadem as salas de reunião, dão conta do dia a dia dos trabalhos. Se essa rotina não passar uma impressão de respeitabilidade, é todo o sistema institucional que perde o seu fio de prumo.
O novo presidente do Supremo, ministro Ayres Britto, está consciente dessas responsabilidades. Disse ele: “O poder que evita o desgoverno, o desmando e o descontrole eventual dos outros poderes não pode, ele mesmo, se desgovernar, se descontrolar”. E acrescenta: “É o poder que não pode jamais perder a confiança da coletividade, sob pena de esgarçar o próprio tecido da coesão nacional”.
Tomando posse como presidente do STF, o ministro Ayres Brittto propôs um pacto dos três poderes em defesa da Constituição; e aumentou a carga simbólica dessa proposta distribuindo exemplares da Constituição entre os que acompanharam a cerimônia.
Assim se faz referência à principal missão do Supremo, e a um elemento de civilização política. A Constituição tem esse caráter de pacto, de entendimento que serve de base para qualquer construção duradoura.
No Brasil, não podemos mostrar uma experiência tão longa e bem-sucedida como a dos Estados Unidos. Mas a Constituição em vigor tem prestado bons serviços, e já sobreviveu a muitas crises. É a partir desse patrimônio que podemos aspirar a melhores índices de convivência social.
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