sexta-feira, março 02, 2012

Uma página em branco - MARIA CRISTINA FERNANDES

VALOR ECONÔMICO - 02/03/12


Entre a campanha presidencial de 2010 e a decisão de candidatar-se à Prefeitura de São Paulo, José Serra foi colunista de jornal. Escreveu 21 artigos em "O Estado de S.Paulo" e dez em "O Globo". A íntegra desses artigos está no seu site (www.joseserra.com.br), onde também se encontram discursos feitos em encontros partidários de que participou nesse período, comentários sobre a conjuntura e um artigo sobre goleiros publicado pelo jornal "Lance!".

Os artigos revelam o ex-candidato à Presidência da República, o ex-senador e, eventualmente, o ex-governador do Estado de São Paulo. Em nenhum momento, porém, avoca sua experiência de um ano e três meses frente à prefeitura da capital.

São textos fluidos e ácidos com raras concessões ao lirismo, como no texto em que revela sua simpatia pelos goleiros: "Vê seu time sempre pelas costas e o adversário pela frente. Trabalha com as mãos no esporte dos pés".

Faz revelações de sua infância ao rememorar os 50 anos da renúncia de Jânio. Sua mãe entusiasmou-se pela campanha do tostão contra o milhão. As mulheres consideravam Jânio um político diferente dos outros. O jovem Serra também. Achava que havia feito um bom governo em São Paulo, "operoso e sem escândalos" e, por isso, tinha lhe dado o primeiro voto de sua vida. O pai era contra por sua gestão na prefeitura, quando os fiscais cobravam caixinha dos feirantes do Mercado Municipal.

Serra fez duas estreias. Na imprensa começou com um "Oposição para quê?", em que faz referências não tão veladas à proeminência que o senador Aécio Neves havia adquirido no partido. Diz que o PSDB não sabe fazer oposição e considera razoável o eleitor imaginar que "não sabe governar quem não sabe se opor". Sugere os 10 Mandamentos como cartilha para a oposição e sugere o 11º: "Não ajudarás o adversário atacando teu colega de partido".

Faltou São Paulo nos artigos de José Serra

Ao abrir o site, em um pequeno artigo com o título "Minha primeira vez", cita um conto de Machado de Assis: "As palavras têm sexo, unem-se umas às outras. E casam-se. O casamento delas chama-se estilo".

Na internet e nos jornais o que predomina são os textos de crítica ao governo federal. Desindustrialização, câmbio e infraestrutura são os temas econômicos mais frequentes. Recorre à terceira colocação do Brasil no índice do Big Mac mais caro para fazer suas críticas ao câmbio sobrevalorizado. Reclama de uma política mais agressiva para o turismo, capaz de competir pelos R$ 16 bilhões que os brasileiros gastaram em 2010 no exterior.

Considera o trem-bala "o pior projeto da história" e diz que as concessões petistas das rodovias federais "não foram "a preço de banana", foram de graça mesmo" para concluir que "a pior ideologia é a incompetência".

Faz um único elogio à política econômica, reservado ao site. Quando o Copom baixa meio ponto da Selic defende a credibilidade do Banco Central e o direito de a presidente conversar com seus diretores e ministros da área econômica sobre os rumos da política monetária.

Volta e meia analisa a economia internacional. Diz que o Euro foi o "maior erro de política econômica em escala internacional na segunda metade do século XX".

Faz críticas recorrentes a corrupção e a loteamento de cargos, queixa-se dos rumos da reforma política e do que avalia como abandono do tema dos direitos humanos na política externa. Faz um artigo sobre saúde, relembrando sua atuação no ministério e defendendo a vinculação de recursos. Já este ano escreveu um artigo sobre o Enem em que critica a iniciativa petista de tentar mudar a forma de ingresso nas universidades transformando-o num vestibular gigantesco e mal administrado.

Nos 12 meses em que escreveu Serra não falou do transporte público, das creches, das AMAs (Assistências Médicas Ambulatoriais) ou da limpeza urbana da cidade de São Paulo.

Ele avisara, ao estrear como articulista, que estaria ocupado com o "futuro do Brasil e dos brasileiros". Na carta que entregou ao diretório municipal do PSDB reconheceu que os 44 milhões de votos que recebera em 2010 lhe estimularam a voltar sua atenção a questões nacionais.

Em sua primeira entrevista como pré-candidato, Serra disse que apresentava sua postulação por "necessidade política e por gosto de ser prefeito".

Se nem ele nem seu partido acreditavam ter alternativa, foi efetivamente por necessidade que resolveu se apresentar. Mas que a prefeitura mobiliza seus gostos não havia como adivinhar.

Esta é, no PSDB, uma das principais preocupações de sua campanha. Serra terá, provavelmente, a vantagem de liderar a mais robusta aliança partidária da sucessão paulistana. Além disso, conta com o histórico eleitoral de uma cidade que favorece candidaturas de centro-direita. Apesar disso tudo, porém, esta deve ser uma campanha mais difícil do que aquela em que venceu Marta Suplicy em 2004.

Naquele ano Serra ainda tinha fresco na memória do eleitor a passagem, havia dois anos, pelo Ministério da Saúde, quando fez uma gestão inovadora.

Agora já se passaram dez anos desde que deixou a Saúde. A avaliação é que lhe faltam marcas e sobram desgastes acumulados numa polêmica campanha presidencial. Aquilo que fez na rápida passagem pela prefeitura acabaria sendo creditado na conta de Gilberto Kassab, que ruma para concluir seu segundo mandato no posto. Também é difícil evitar que o que restou de sua administração como governador de Estado durante dois anos e três meses não se diluísse nos mais de sete anos que Geraldo Alckmin já acumula no cargo.

Até pode ser verdade, como diz Serra, que na eleição paulistana disputam-se os rumos da política nacional, dado o peso que os dois principais partidos do país jogam na parada. Mas não parece tão claro que a mão inversa funcione com a mesma fluidez. A blindagem do regime sírio, o futuro do euro, o nó cambial, o loteamento da Funasa ou a reforma política talvez tenham pouca influência sobre o voto paulistano.

Não que se deva esquecer o que escreveu. Há muitos momentos de lucidez nos artigos de Serra. A questão agora é preencher a página de São Paulo que ficou em branco.

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