sexta-feira, março 02, 2012

Câmbio, juros e a inundação do BCE - CLAUDIA SAFATLE

VALOR ECONÔMICO - 02/03/12
A medida cambial anunciada ontem - elevação da alíquota do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) de 6% para empréstimos externos com prazos de até três anos - é parte de uma sequência de ações que o governo prepara para enfrentar um aumento brutal do fluxo de capitais para o Brasil. Ela atinge inclusive os empréstimos intercompanhias (considerados investimentos diretos pelo Banco Central). A tributação que passou a vigorar ontem é uma resposta à medida do Banco Central Europeu (BCE), que despejou nesta semana mais € 530 bilhões em 800 bancos do continente, a título de empréstimos também por três anos. Parte desse dinheiro, avalia o governo, virá para o Brasil.

Do arsenal que o ministro da Fazenda, Guido Mantega, menciona para fazer frente à "guerra cambial" consta a possibilidade do uso do Fundo Soberano, que pode começar a comprar dólar no mercado de câmbio a qualquer momento. E, mais importante, há a própria política de redução da taxa básica de juros (Selic).

Ontem, voltou-se a cogitar tanto entre fontes oficiais quanto junto a alguns operadores do mercado, a possibilidade de o Comitê de Política Monetária (Copom) acelerar a redução da taxa Selic. Essa seria uma forma de encurtar o caminho para a redução dos ganhos de arbitragem (diferencial entre juros externos e internos) dos investidores estrangeiros no país.

Os juros podem cair abaixo da taxa neutra?

O Copom reúne-se na semana que vem e a expectativa predominante é de mais um corte de 0,50 ponto percentual na Selic, que cairia para 10% ao ano. Ao subtrair os adjetivos da sua comunicação, desde que retirou a expressão "ajustes moderados" da ata, o Copom decidirá sobre o corte dos juros sem compromisso prévio.

Das últimas falas do presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, e de conversas com outros dirigentes da instituição, fontes do setor privado extraíram recados reveladores. Por exemplo: se a economia cresce a três trimestres abaixo do Produto Interno Bruto (PIB) potencial, o juros deveriam estar abaixo da taxa neutra para permitir a recuperação do nível de atividade.

Por enquanto, a expectativa é de que no primeiro trimestre deste ano o crescimento fique mais próximo de 0,5% do que de 1%. A reação da atividade, portanto, tende ser moderada.

Para o BC, é bom lembrar, a taxa neutra de juros é inferior à extraída em pesquisa junto aos agentes de mercado, de 5,5%. Mais importante, no entanto, é a tendência de queda dos juros neutros, disse Tombini. Portanto, supondo que a taxa neutra do BC seja da ordem de 4% com tendência de queda, haveria ainda um bom espaço para cortar a Selic.

Juros e câmbio são dois preços entrelaçados. As informações que chegam à area econômica do governo são de que empresas, inclusive grandes montadoras instaladas no Brasil, estão contratando empréstimos no exterior a custos muito baixos (1% a 1,5% ao ano) e trazendo esses recursos para aplicar no mercado financeiro brasileiro a juros de 10,5% ao ano.

Outra notícia, publicada no Valor há uma semana, também serviu de alerta para o governo, que está empenhado em usar de todo seu instrumental para conter a valorização do real frente ao dólar. Foi a entrevista do diretor-financeiro da Coca-Cola, Gary Fayard, que disse que 30% do caixa da empresa está em investimentos financeiros no Brasil.

Dos US$ 13 bilhões que a empresa tinha em caixa no fim de dezembro, US$ 10 bilhões estavam fora dos Estados Unidos e desses, uns US$ 3 bilhões estavam no Brasil. "Os juros que estamos coletando no Brasil são bem altos", comentou Fayard, durante um encontro de investidores na Flórida.

Com o IOF ou essas aplicações ficam mais de três anos no país, ou a alíquota de 6% do tributo consumirá o diferencial de juros.

Todas as medidas, as que já foram tomadas e as que ainda virão, têm como objetivo principal neutralizar os ganhos de arbitragem, desestimulando o ingresso de moeda estrangeira em busca do diferencial de juros até que essa distorção seja minimizada.

Enquanto isso, o BC vai buscando novos pisos para a taxa Selic que, de agosto de 2011 para cá caiu de 12,50% ao ano para 10,50% ao ano e caminha para o patamar de um dígito em abril.

Outra questão importante que consta das análises que o governo faz da política monetária versus meta de inflação é sobre a inflação de serviços. Esse setor corresponde a cerca de 25% do produto interno e vem registrando aumentos de preços sistematicamente acima dos bens comercializáveis. No ano passado a inflação de serviços chegou a 9%, enquanto o IPCA foi de 6,5%. Ou seja, 75% do PIB está com os preços comportados e os 25% que pressionam a inflação não respondem ao aumento de juros. Portanto, a conclusão é de que não faz sentido manter juros elevadíssimos por causa do setor de serviços.

Na entrevista ontem, Mantega garantiu que não consta do seu arsenal tributar as aplicações de estrangeiros em bolsa de valores nem investimentos diretos legítimos, até porque não faz sentido impor custos a recursos que entram no país para ampliar a oferta de bens e serviços.

Embora no mundo ideal uma taxa de câmbio mais desvalorizada seja benéfica para a economia brasileira, o fato é que o governo está apenas procurando evitar que a situação piore. Mantega lembrou que tem agido desde 2009 para conter a sobrevalorização do real. Sem as medidas tomadas desde então, disse ele, o câmbio hoje já estaria abaixo de R$ 1,50.

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