FOLHA DE SP 02/03/12
Não se deve desprezar, numa disputa política, a influência das lideranças religiosas sobre o comportamento do eleitorado. Natural, assim, que os prováveis candidatos à eleição municipal levem em conta esse fator em suas alianças.
É legítimo que cada grupo confessional procure conformar as atitudes do poder político ao que considera adequado em termos de educação, saúde ou vida familiar. Nota-se, entretanto, uma importância desproporcional da discussão religiosa neste início de campanha para a Prefeitura de São Paulo.
Questões como aborto e união homossexual podem ter relevância, para o eleitor, quando se trata de conhecer as convicções íntimas de cada político; pouco ou nenhum impacto exercem, contudo, sobre as ações de um prefeito com relação a transporte público, assistência de saúde ou coleta e reciclagem de lixo, para citar alguns dos problemas da cidade.
A agenda de inspiração religiosa lança os candidatos numa espécie de competição quanto às concessões, verbais ou programáticas, que estão dispostos a fazer para agradar esses setores. O problema, como ficou claro nas últimas eleições presidenciais, é que não há como fiar-se na sinceridade ou na coerência de quem se curva sem mais aquela a tais pressões.
Já se vê o petista Fernando Haddad atrapalhar-se nesse campo, declarando ser contra o aborto, "de uma ótica masculina". Ótica eleitoral seria um termo mais correto para qualificar sua ponderação.
Usa-se contra a candidatura Haddad, por outro lado, o famigerado "kit gay" produzido em sua gestão no MEC, como se fosse crime criar peças publicitárias para combater o preconceito contra homossexuais. Em passado não muito distante, combatiam-se as aulas de educação sexual.
Tudo seria razoável se a questão religiosa fosse algo a ser resolvido pelo debate de ideias. Constata-se, todavia, que se trata de mera moeda de troca numa barganha mais impura: a dos cargos na futura administração municipal -e no governo Dilma também.
Se alguma razão existe para conceder o Ministério da Pesca a um senador da bancada evangélica, é que os altos prelados do petismo -a começar do cardeal Luiz Inácio Lula da Silva- houveram por bem ungir como candidato o intelectual de índole marxista Haddad.
As múltiplas convicções religiosas da população -que têm papel restrito num Estado laico- terminam, na verdade, sendo desrespeitadas em grande estilo quando fisiologismo, hipocrisia e desconversa assumem o primeiro plano.
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