quarta-feira, março 28, 2012
A roda da fortuna - DENISE ROTHENBURG
Correio Braziliense - 28/03/12
A maioria dos casos de cassação ou renúncia no Senado ocorreu porque seus protagonistas buscaram apoio dos colegas na tribuna e, depois, os apoiadores se sentiram enganados. É por aí que Demóstenes caminha hoje
O calendário estava longe de registrar a data do bug do milênio quando ouvi do então senador Gilbeto Miranda, à época no PMDB, que o Senado era uma "confraria". Empresário da Zona Franca de Manaus, pouco afeito aos meandros da Casa, ele logo pegou o "espírito da coisa". Ali, governo e oposição convivem em relativa harmonia. Não por acaso, os embates, quando ocorrem, viram logo notícia de primeira página. Foi assim quando, por exemplo, o então senador Antonio Carlos Magalhães, à época do PFL, se atirou sobre a gravata de Pato Donald do colega Ney Suassuna. Ou quando Tasso Jereissati, no período mais recente, xingou o senador Almeida Lima, num embate em plenário.
Como toda a confraria, há regras e comportamentos considerados pecados capitais. O mais visível deles é ir à tribuna jurar que não há mais nada, seja sobre o quê ou quem for e, mais dias, menos dias, os fatos mostrarem uma coisa aqui, outra ali. É nesse ponto que está hoje o senador Demóstenes Torres (DEM-GO). A muitos ali não interessa mais se Demóstenes era amigo de Carlinhos Cachoeira, o que não é crime. O que vale é que Demóstenes disse aos senadores que eles não encontrariam mais nada entre ele e o empresário, e houve novidades.
Desde segunda-feira, os bastidores da Casa se referem a Demóstenes como alguém que deixou os senadores com a "cara no chão". Quando surgiram as primeiras notícias, o senador goiano foi à tribuna e saiu do plenário ovacionado pelos colegas. Recebeu o apoio de todos os partidos, sem exceção. Do intransigente PSol, representado pelo jovem Randolfe Rodrigues (AP), passando pelos partidos da base do governo, todos se solidarizaram com o senador do DEM. Talvez jamais tenha havido um caso em que os senadores tenham sido tão cordatos com alguém que aparecesse citado numa investigação.
Os integrantes do PCdoB, que ouviram poucas e boas do DEM quando do episódio envolvendo o então ministro do Esporte, Orlando Silva, comentavam à boca pequena estarem arrependidos de terem defendido Demóstenes. E não foram os únicos. Demóstenes teve a solidariedade de nomes como Pedro Simon (PMDB-RS) e Pedro Taques (PDT-MT), que chegou ali como um procurador implacável com desvios de qualquer espécie.
Por falar em desvios...
A história recente da Casa está recheada de casos parecidos. Há mais de 10 anos, ouvi de um ilustre senador da República a seguinte frase: "Não adianta ele querer lutar. A roda da fortuna girou. E ele foi espirrado". O "ele" era o então senador Luiz Estevão, do PMDB do Distrito Federal. Por meses, Estevão negou envolvimento no escândalo do Tribunal Regional do Trabalho de São Paulo, a obra que virou símbolo do desperdício de dinheiro público e da corrupção, ao ponto de levar um juiz para a cadeia: Nicolau dos Santos Neto.
Estevão bem poderia ter continuado senador, não fosse o fato de ter dito aos colegas que não tinha envolvimento direto com o episódio e as páginas do Correio Braziliense revelarem um contrato de gaveta que o colocou no epicentro da trama. Pouco depois, seria a vez de José Roberto Arruda e Antonio Carlos Magalhães, no episódio de quebra de sigilo dos votos registrados no painel eletrônico da Casa quando da cassação de Estevão.
Esses casos mais antigos, todos ocorridos há mais de uma década, têm em comum o fato de seus protagonistas terem recorrido à tribuna em busca de socorro, conquistarem esse apoio e, depois, os apoiadores se sentirem meio que enganados. Afinal, a relação de confiança é moeda inegociável entre as excelências. Por isso, hoje interessa pouco aos senadores saber se Demóstenes é culpado ou inocente na letra fria da lei. O que vale é ele ter deixado grande parte de seus colegas com a cara no chão. Ou seja, a roda da fortuna girou e, ali, quando ela gira, alguém cai. Alguns ainda se seguram, ou retomam seu lugar, como ocorreu com o próprio Antonio Carlos Magalhães, que morreu senador, lembrado pela legislação que criou o fundo de Combate à Pobreza. Mas ACM, depois daquele caso, nunca mais foi o mesmo. Demóstenes também não será. Podem ter certeza.
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