O GLOBO - 18/03/12
Minha neta entrou correndo no escritório e pulou no meu colo. Contou que vira dois ratos no quintal, um rato malvado e um rato charmoso.
– E você está fugindo do rato malvado? – perguntei.
– Não – disse ela. – Estou fugindo do rato charmoso.
Não sei bem onde ela aprendeu “charmoso”, mas achei a sua lógica irretocável. Lição inconsciente de vida: um rato charmoso é mais perigoso do que um rato malvado. Um rato malvado é um rato malvado, sem fingimento. Um rato charmoso é um dissimulado. Esconde a sua condição de rato. Pode convencer menininhas a mimá-los como coelhinhos, antes de mostrar sua malvadeza. Você sabe o que esperar de um rato malvado. Você não sabe o que há por trás da falsa fachada de um rato charmoso.
Assim é na vida, muito particularmente na vida brasileira. Temos bandidos sem qualquer encanto que os redima, e temos bandidos que usam seu charme para fazer carreira, progredir, se eleger, ganhar respeito e cargos oficiais e às vezes até monumentos e, finalmente, imunidade vitalícia. Todo o mundo sabe que são ratos mas o disfarce os salva.
Há casos, é verdade, em que os ratos charmosos são pegos como reles ratos malvados, nos raros casos em que a ratoeira funciona da mesma maneira para uns e para os outros. Mas os ratos charmosos sempre conseguem se safar. Voltam à vida pública, são reaceitos no Congresso, mantêm o cargo na confederação, etc .Os ratos malvados têm julgamentos sumários, os ratos charmosos podem contar com processos longos e inconclusivos.
Os dois vistos no quintal eram imaginários, mas espero que minha neta e sua geração saibam diferenciar os ratos, na realidade. Talvez quando ela crescer já tenham inventado algum modo de imunização para diminuir os efeitos do charme na vida nacional.
Uma espécie de dedetização moral. Sei lá.
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