FOLHA DE SP - 27/03/12
O presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, Ivan Sartori, quer mais do que processar a Folha. Sua declarada intenção de obter a adesão dos 354 desembargadores ao processo e, ainda, a de associações de magistrados, excede em muito o propósito de punição para o uso de uma palavra, que considerou inaceitável. E excede em dois sentidos: como iniciativa, com características de movimento, e ao atingir, muito além da Folha, todos os jornalistas.
Mesmo sem admitir que haja diferença essencial entre o título questionado -"Corregedoria vai investigar todos os juízes do TJ-SP"- e o tolerável pelo desembargador Sartori -"Corregedoria vai inspecionar todos os juízes do TJ-SP"-, é irrelevante discutir equivalências e dessemelhanças verbais. Se o presidente do TJ vê na palavra "investigar" uma conotação de suspeita, pode-se até dizer mais.
Um dos traços marcantes na elaboração do jornalismo, desde que expor notícias sobrepujou o objetivo inicial de proselitismo partidário, é o de recorrer às palavras mais fortes dentre as cabíveis nos seus títulos principais. Em princípio, um fator de atração de leitores. Muito frequente, opinião dissimulada. Na atualidade, por sinal, frequente demais, quase regra.
Investigar e inspecionar, como milhares de outras palavras aparentadas, podem servir, ambas, de palavra mais forte, a depender das circunstâncias. Não tenho indicação nem sugiro, porém, que a construção do título questionado buscasse mais força ou qualquer outra função além da notícia em si. Nada indica que o leitor tivesse reação diferente com a segunda palavra. O mais importante, no caso, nem está aí, que apenas exemplifica modalidades de elaboração dos jornalistas. Como a contagem de letras para adequar as linhas de um título ao seu espaço, o número de linhas dos textos, o tempo indisponível, tanto mais.
Nesse fazer, as formas de pressão objetiva e subjetiva são muitas e insaciáveis (até hoje, só encontraram uma forma de contrapressão: o desleixo). E sempre surgem novas pressões, outras atenuam-se ou desaparecem. O presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo traz mais uma. Forte e portadora de uma exigência sem precedente.
Aos jornalistas não bastaria mais, se têm que atender à iniciativa do desembargador Ivan Sartori, elaborar títulos e textos com as palavras mais precisas da linguagem jornalística. A linguagem que têm em comum com os segmentos de leitores a que os diferentes modos de jornalismo se dirigem. Seria preciso o impossível: o uso dos termos técnicos. O conhecimento e a prática das especificidades existentes entre uma palavra como a comum "investigar" e o termo judicialmente técnico, no caso, "inspecionar".
Condenada a linguagem usual nas notícias do Judiciário e seu vetusto jurisdiquês, estariam todos os jornalistas sujeitos, primeiro, à nova pressão perturbadora do escrever. Depois, às repetidas sentenças que a iniciativa do presidente do TJ-SP inaugurasse. Ou, como alternativa, calamos a respeito do Judiciário, seus atos judiciais e suas peculiaridades. Ou pecunialidades, que parecem estar na origem do problema verbal e de outros problemas.
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