terça-feira, março 27, 2012

Guerra dos portos: mitos e verdades - BERNARD APPY



Valor Econômico - 27/03/12


Nos últimos dias tem se acirrado o debate sobre a chamada "guerra dos portos": variante da guerra fiscal pela qual alguns Estados reduzem o ICMS cobrado de produtos importados, que assim passam a ser menos tributados que a produção nacional.

De um lado, a indústria brasileira em peso, as centrais sindicais e o governo defendem a aprovação do Projeto de Resolução do Senado nº 72 de 2010 (PRS 72), que tem por objetivo acabar com a guerra dos portos. De outro lado, os Estados que concedem os incentivos às importações alegam que teriam grandes prejuízos com a aprovação do PRS 72, e a entidade representativa das empresas importadoras (tradings) argumenta que os incentivos não são prejudiciais ao país. Para agravar, a deterioração do ambiente político observado no Congresso nas últimas semanas dificulta a discussão racional do tema.

A verdade é que a guerra dos portos não é justificável nem do ponto de vista econômico - por seus efeitos nefastos sobre a indústria nacional -, nem do ponto de vista federativo, pois é inaceitável uma estratégia de desenvolvimento estadual que tenha como base o prejuízo à produção nacional.

O pior efeito da guerra dos portos é o de enfraquecer ainda mais a já debilitada competitividade da indústria nacional, ou seja, a capacidade do produto nacional de competir com seu similar estrangeiro, seja no mercado doméstico, seja no exterior.

Por várias razões - custo Brasil, câmbio valorizado, excesso de oferta mundial - a competitividade da indústria brasileira vem sendo progressivamente corroída ao longo dos últimos anos. Neste ambiente, os incentivos da guerra dos portos - que chegam a representar uma redução de 9% do preço do produto importado em relação ao nacional - amplificam as dificuldades da indústria nacional, reduzindo ainda mais sua capacidade de concorrer no mercado doméstico com os importados.

O resultado vem sendo um forte crescimento das importações de industrializados, cuja participação no consumo doméstico saltou de 12% em 2005 para quase 21% em 2011 - período em que a balança comercial industrial passou de um superávit de US$ 33 bilhões para um déficit de US$ 43 bilhões.

Mas a perda de mercado é apenas um dos efeitos da deterioração da competitividade da produção nacional. Tão ou mais preocupante é a queda da rentabilidade da indústria de transformação, que vem tornando inviável grande parte dos projetos de investimento em setores exportadores ou nos setores em que a concorrência dos importados é muito forte. Os impactos futuros da perda de competitividade da indústria nacional e da guerra dos portos podem ser mais sérios e mais difíceis de reverter que aqueles que estamos vivenciando hoje.

Como cada vez se torna mais claro que a guerra dos portos é insustentável por seus impactos econômicos, seus defensores têm buscado justificá-la com base em argumentos federativos, como a importância dos incentivos para o desenvolvimento regional e o impacto que o fim da guerra dos portos teria sobre a receita dos Estados. No entanto, mesmo estes argumentos federativos não são defensáveis.

Tentar caracterizar a guerra dos portos como política de desenvolvimento regional é um completo contrassenso, pois para cada emprego gerado nas tradings localizadas nos Estados que concedem os incentivos, um número muito maior de empregos é perdido na indústria nacional. Ou seja, é muito mais uma política de regressão nacional que de desenvolvimento regional.

Adicionalmente, os principais Estados que concedem incentivos estão longe de ser os menos desenvolvidos. Os três que mais defendem a guerra dos portos - Santa Catarina, Espírito Santo e Goiás - são, respectivamente, o quarto, sexto e décimo-primeiro Estados mais ricos (pelo critério de Produto Interno Bruto per capita) das 27 unidades federativas do país.

Isto não significa que uma política de desenvolvimento regional efetiva não seja necessária. É, e muito, e pode beneficiar os três Estados citados, mas tem de ser uma política que favoreça mais os menos desenvolvidos e, principalmente, não pode prejudicar o país.

Por fim, cabe avaliar o impacto da guerra dos portos sobre a receita dos Estados que concedem incentivos. Já de início, é preciso deixar claro que o impacto sobre a receita do conjunto dos estados é negativo. No caso de Santa Catarina, por exemplo, para cada R$ 1 arrecadado pelo Estado por conta dos incentivos, o conjunto dos Estados brasileiros perde R$ 3 de receita.

É verdade que com a aprovação do PRS 72 os Estados que concedem incentivos terão alguma perda de receita. Segundo informações da imprensa, os representantes do Espírito Santo alegam perdas anuais de R$ 1 bilhão a R$ 2,3 bilhões, enquanto Goiás sinaliza que pode perder R$ 1,9 bilhão. Em todos os casos, os Estados demandam uma compensação da União pela redução da receita que resultaria do fim dos incentivos à importação.

Na prática, os valores são muito mais baixos. Segundo estudo elaborado pela LCA, a perda do Espírito Santo com a aprovação do PRS 72 deve ficar entre R$ 400 milhões e R$ 730 milhões. No caso de Goiás, embora não haja um estudo detalhado, os dados de PIB e importação sugerem uma perda ainda menor.

Mas tal perda de receita não justifica uma compensação da União, pois, ao conceder os benefícios, os Estados sabiam perfeitamente que estavam subtraindo receita dos demais Estados e prejudicando a produção nacional. A única exceção possível é o Espírito Santo, onde os incentivos portuários foram introduzidos na década de 1970, época em que seus impactos talvez não fossem tão claros.

Apesar do clima político no Congresso não ser o melhor para se discutir o tema, seria importante os senadores entenderem a relevância e urgência da aprovação do PRS 72: não apenas para eliminar um inaceitável ônus à indústria do país, mas também porque não há qualquer argumento de justiça federativa que justifique a manutenção da guerra dos portos.

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