REVISTA VEJA
Parecer anterior do mesmo órgão (1994) interpretara que a Constituição de 1988 não permite discriminar entre empresa nacional e estrangeira na compra de terras. Deixaram de valer, pois, restrições específicas de lei de 1971. O Brasil atraiu investimentos estrangeiros para o agronegócio, que geraram empregos, renda e maior capacidade de exportação. Agora, imperam enormes incertezas no setor.
O novo parecer enfatiza mais a soberania nacional do que a norma constitucional. Por ele, a interpretação anterior "faz tábula rasa de princípios como soberania nacional econômica, independência nacional, interesse nacional, limitação dos investimentos de acordo com a definição soberana pelo estado brasileiro" e por aí vai. Invoca a "supervalorização de nossas terras rurais férteis, causada pelo desenvolvimento da tecnologia nacional apta a criar inovadoras formas de geração de energia a partir de fontes naturais renováveis, pela crise alimentar mundial e pela decorrente valorização de nossas commodities e, ainda, pela riqueza mineral de nosso subsolo".
Soberania nacional é conceito contemporâneo do surgimento do estado moderno. Nutriu-se de estudos de Jean Bodin (1530-1596), Thomas Hobbes (1588-1679), John Locke (1632-1704) e Jean-Jacques Rousseau (1712-1778). Para Celso Lafer, o conceito tradicional derivou da paz de Vestfália (1648) e se caracterizou pela "coexistência de uma multiplicidade de estados soberanos, cuja segurança individual resultaria ou de sua capacidade de autodefesa ou de alianças específicas com outros estados". Ele diz que o conceito evoluiu. Em vez de autossuficientes, os estados se tornaram interdependentes e cooperativos. De fato, países da União Europeia renunciaram a parte da soberania em favor da integração. Henry Kissinger fala em era pós-soberania, em que "normas internacionais de direitos humanos prevalecem sobre as prerrogativas tradicionais de governos soberanos".
Os latino-americanos exacerbam a visão de soberania. Na nossa Constituição, a "soberania nacional" é o primeiro princípio da ordem econômica (art. 170). O "pleno emprego" é apenas o oitavo. Nas diretrizes da lei do novo PPA consta a "garantia da soberania nacional", como se uma lei pudesse fazer isso. Além de influenciado por tais fantasias, o parecer inclui razões sem sentido para limitar a compra por estrangeiros: supervalorização dos imóveis rurais, o alto preço das commodities e uma insondável crise alimentar.
Em competente estudo, Alexandre Mendonça de Barros e André Pessoa mostraram que as restrições à aquisição de imóveis rurais constituem "um impeditivo relevante ao desenvolvimento da agricultura brasileira". O Brasil "reúne as melhores características para expansão da agricultura", mas tais restrições podem nos fazer perder oportunidades para países que são nossos concorrentes. Projetos de investimento foram paralisados. Empresas rurais prontas para abrir o capital, crescer e criar empregos e renda duvidam se podem ter acionistas estrangeiros. Vendas futuras de safras se inviabilizam pela impossibilidade de o produtor oferecer terras em garantia a estrangeiros. E por aí afora.
Aqui caberia citar novamente Kissinger, para quem "a essência da soberania é o direito de tomar decisões não sujeitas a outra autoridade". É a autonomia da legislação brasileira que importa. Se estrangeiros quiserem especular, a terra parada se tornará improdutiva e poderá ser desapropriada para reforma agrária. Se prejudicarem o abastecimento interno, a produção poderá ser requisitada ou sofrer tributação na exportação. A lei ambiental é a mais rigorosa do mundo. O risco é, pois, do estrangeiro que compra terras. A menos que se veja tal aquisição como parte de um plano para nos invadir.
O relevante é crescer de forma sustentada e ampliar o bem-estar dos brasileiros. Pouco importa a nacionalidade do agente desse processo.
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