O GLOBO - 06/02/12
Fora o PT e a origem paulista, o que mais aproxima o senador Eduardo Suplicy do ministro Guido Mantega, da Fazenda? Ambos parecem – como dizer? – meio desconectados. São capazes de cometer disparates sem se darem conta disso. E quando deles se espera a afiada malícia de políticos experientes, chocam com a sua ingenuidade, real ou simulada.
Em estrito silêncio, Mantega acompanhou durante quatro dias o farto noticiário em torno da demissão de Luiz Felipe Denucci da presidência da Casa da Moeda do Brasil. Foi ele que nomeou Denucci há quatro anos. E que o demitiu na última segunda-feira.
Sob o risco de ser convocado pelo Congresso para explicar por que nomeara e demitira Denucci, o ministro adiantou-se e ofereceu logo a sua versão da história . Por tudo que consegui saber, Mantega falou a verdade, somente a verdade e nada mais do que a verdade. E por isso ficou mal.
Jovair Arantes, líder do PTB na Câmara dos Deputados, havia contado que Mantega o procurara em 2008 pedindo que seu partido apadrinhasse a nomeação de Denucci. Como negar um pedido do ministro da Fazenda? E como perder a chance de se aproximar de um fabricante de moedas?
Sem citar Jovair, Mantega o corrigiu. Não foi ele que procurou Jovair para emplacar Denucci na Casa da Moeda. Foi Jovair, em nome do PTB, que indicou Denucci para o cargo. Para governar pela segunda vez e eleger seu sucessor, Lula distribuiu cargos à beça. O ministro com a palavra:
- Em 2008, quando substituímos o presidente da Casa da Moeda de então, o PTB fez indicações [para o cargo] dentro do critério que utilizamos de competência técnica. Os primeiros nomes não foram aceitos. Aceitei o de Denucci. Não o conhecia. Nunca o tinha visto antes.
Formidável! A presidência da Casa da Moeda é um cargo técnico. Imaginava-se que seu preenchimento estivesse a salvo de indicações partidárias. Afinal, que vantagem legítima pode tirar um partido da nomeação de um entendido em produção de moedas? Eu disse "legítima".
De resto, o Ministério da Fazenda sempre foi preservado na hora de se lotear governos com partidos. Na maioria das vezes, o próprio presidente da República escolhe o ministro. E o ministro aqueles que deverão ajudá-lo a administrar a mais problemática e crucial área do governo.
Uma vez que na Era Lula o PTB ganhou com Denucci a presidência da Casa da Moeda, nada mais natural que se julgasse no direito de removê-lo dali por não ter seus pedidos atendidos com presteza. A oportunidade surgiu em janeiro de 2010. Jovair escreveu a Mantega no dia dois:
- A bancada do PTB recebeu com indignação a publicação da revista IstoÉ da decisão da Secretaria da Receita Federal em aplicar multa de R$ 3,5 milhões ao presidente da Casa da Moeda por crimes de "lavagem" ou ocultação de bens, direitos e valores.
(Não ria e leia o resto). "O PTB não aceita atos de improbidade administrativa praticados na gestão pública. A denúncia é gravíssima e o pronto afastamento [de Denucci] passa a ser indispensável", decretou o Jovair. Deve ter pensado que o cargo permaneceria na cota do partido.
De novo, Mantega com a palavra: "As acusações [contra Denucci] não eram sólidas. Mas ele estava sendo pressionado [para sair]. A sua substituição estava em andamento. Eu já havia entrevistado três candidatos ao cargo. Esperava terminar o ano para fazer a substituição."
Se as acusações não eram sólidas por que Mantega decidira demitir Denucci? Só para atender ao PTB? E como não eram sólidas? Por acaso a Receita Federal recuou da multa que aplicara? As acusações foram retiradas? Mantega falou a verdade. Mas não falou toda a verdade.
Como ficamos? Como de costume. A oposição tentará ouvir Mantega em alguma comissão da Câmara dos Deputados ou do Senado. E o governo, que tem folgada maioria no Congresso, simplesmente não deixará sob o pretexto de que tudo já foi esclarecido. Não foi. Como de costume.
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