FOLHA DE SP - 15/02/12
SÃO PAULO - Como estou até agora respondendo a e-mails indignados por conta de minha coluna de domingo, em que procurei mostrar que a noção de alma encerra vários problemas, acho oportuno desfazer alguns equívocos mais comuns.
Ao contrário do que muitos leitores sugeriram, crer na ciência não é o mesmo que acreditar numa religião, e eu vou tentar mostrar por que.
Comecemos pelas semelhanças. A ciência busca seus fundamentos em meia dúzia de postulados que, a exemplo dos dogmas religiosos, são tomados como autoevidentes. Trata-se de princípios como o de identidade e o de não contradição. O primeiro afirma que, se A=A, então A=A, e o segundo reza que, se A=não B, na ocorrência de A não ocorre B. Não são ideias particularmente geniais.
As semelhanças acabam aí. Enquanto dogmas religiosos podem abarcar tudo, os da ciência ficam restritos ao campo da lógica. Até aqui, a vantagem é da religião. Ela já emite pareceres sobre o mundo, enquanto a ciência permanece presa a abstrações. Para permitir que ela fale sobre o universo, temos de autorizá-la a lidar com induções, ou seja, que, partindo de casos particulares, faça generalizações: o sol nasceu todos os dias até hoje, logo nascerá amanhã.
Ao aceitar esse tipo de raciocínio, conquistamos o direito de proferir juízos sobre a realidade física, mas sacrificamos o plano das certezas matemáticas. O fato de o sol ter nascido todos os dias no passado não encerra garantia lógica de que nascerá amanhã. Isso é, no máximo, muito provável, mas não necessário.
Paradoxalmente, esse rebaixamento do grau de certeza das ciências é uma boa notícia. Juízos científicos tornam-se verdades provisórias, que dependem ainda de um processo de verificação empírica propenso a erros.
A vantagem é que a ciência ganha algum poder de autocorreção: ao contrário das religiões, é improvável que ela se obstine por muito tempo em delírios e equívocos do passado.
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