O GLOBO - 22/01/12
De todas as histórias que estão vindo à tona depois do acidente com o Costa Concordia a minha favorita é a da moça que estava dentro de uma caixa, presumo que participando de um número de mágica, quando se deu o choque com as pedras e o navio começou a adernar. Não sei se ela era ajudante do mágico ou se tinha sido convocada da plateia para entrar na caixa. Na verdade, como não me lembro onde li a história e não ouvi mais nada a respeito, não posso garantir que não a esteja imaginando.
Mas pense no que teria passado pela cabeça da moça dentro da caixa. Era para ela desaparecer e, provavelmente, reaparecer dentro de outra caixa. E de repente sente que está sendo deslocada dentro daquele espaço apertado, que está realmente sendo transportada para outro espaço, talvez para outra dimensão, da qual pode nem voltar se a mágica não der certo. E imagine o alívio dela quando consegue sair da caixa e ver que todo o mundo está deslizando, junto com pratos e copos. Ufa. De
volta à normalidade, pensa ela, antes de também começar a deslizar.
Muita gente que não estava lá tem histórias para contar das suas experiências em navios, e está aproveitando o desastre para contá-las. Eu, modéstia à parte, tenho várias. Minha mãe não gostava de avião, o que significa que a família tem um longo passado marinheiro. Estávamos no primeiro navio que saiu de Nova York para a América do Sul no fim da Segunda Guerra Mundial. Um pequeno cargueiro argentino que corcoveava sobre as ondas. A viagem levou um mês, no qual passei uma semana vomitando e três aproveitando a aventura. Durante anos fomos fregueses dos navios da Moore McCormick na linha Rio-Nova York-Rio, e a melhor lembrança que guardo deles é das cinco refeições por dia, não contando o caldinho quente no meio da manhã e o lanche no fim da noite. Cruzamos de Southampton para Nova York no United States, na época o maior do mundo. E – não podia deixar meus dezessete leitores sem esta informação fascinante – fiz aniversário três vezes em alto mar. Não sei qual é o recorde mundial.
O que tudo isso tem a ver com o desastre do Costa Concordia? Absolutamente nada. As maiores emoções em todas estas viagens eram os ensaios para emergências, que serviam para as pessoas se fotografarem vestindo coletes salva-vidas. E os céus estrelados, os peixes-voadores e, claro, o caldinho quente no meio da manhã.
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