FOLHA DE SP - 10/01/12
O caso Cristina Kirchner poderia se transformar em mais uma história de realismo mágico de que a América Latina é prenhe.
Cronologia: uma presidente popular, que acaba de receber uma votação espetacular, mal tomou posse (de novo), tem detectado um câncer na tireoide, com o todo o caráter fantasmagórico que a palavra câncer desperta até hoje.
A presidente se opera, em meio a uma vigília de seus seguidores, pertencentes ao multifacetado peronismo, carregado de misticismo e uma estranha relação com a doença/morte de seus ícones.
Lembro-me de uma visita, em 1975, salvo erro de memória, à quinta presidencial de Olivos, para ver o corpo embalsamado de Evita Perón, ao lado do caixão fechado do marido, o general Juan Domingo Perón, morto no ano anterior. Era impressionante ver do alto a linda mulher loira em seu vestido branco e um penteado que parecia ter sido feito minutos antes, embora ela tivesse morrido já fazia então 23 anos.
Lembro-me também do susto que tomaram meus filhos, ainda crianças, quando os levei para ver o túmulo de Evita, no cemitério da Recoleta, justo em um dos muitos dias de culto à memória de "María Eva de los Desamparados". O grupo de peronistas em volta do túmulo cantava: "Se siente, se siente, Evita está presente" -e meus filhos, ignorantes então da mística que acompanha o peronismo, acharam que de fato Evita estava presente.
Quando saiu a notícia de que Cristina não tinha o câncer oficialmente anunciado, até entendi, por esse passado todo, que Ricardo Roa, editor-adjunto do "Clarín", gritasse que ela "se operou de um câncer que não tinha" e, ainda por cima, "sofreu uma mutilação desnecessária".
Mas, para quem prefere fatos, ainda que pouco espetaculares, ao realismo mágico, repasso então informações do médico em quem mais confio, por acaso chamado Cláudio Rossi, meu irmão. A confiança não vem só do sangue, mas das abundantes provas de competência extrema que já deu, além do fato de ser especialista em diagnóstico por imagem, o que no mínimo o aproxima do caso Cristina.
Informação 1 - É absolutamente comum que apareçam células não tão perfeitas no tipo de punção a que a presidente foi submetida. Ou seja, é perfeitamente possível que o exame patológico detectasse "falso positivo", como dizem os médicos.
Informação 2 - A cirurgia é o procedimento indicado para ver se o "positivo" é ou não falso. "E, quando você está com a paciente aberta à mesa, só vai saber se o positivo é falso ou não depois de tirar o pedaço afetado", diz Cláudio.
Informação 3 - Meu irmão, há alguns anos, teve detectados nódulos no pulmão. Só quando abriram e tiraram um segmento é que se comprovou que não era câncer. Fica claro, pois, que, não houve uma "mutilação desnecessária", mas inevitável (em ambos os casos).
Tudo somado, "o que aconteceu com Cristina Kirchner poderia ter acontecido com a Cristina Rossi", minha sobrinha (e filha dele), conclui meu irmão.
É melhor que seja assim: já é tempo de a América Latina conviver mais com o realismo do que com a magia, principalmente quando esta envolve misticismo.
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