segunda-feira, dezembro 19, 2011

A perigosa hegemonia - CARTA AO LEITOR

REVISTA VEJA


Não é incompatível com a democracia a indicação de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) identificados com a força política dominante, desde que dos escolhidos se exijam, além da óbvia conduta ilibada, competência jurídica e independência de pensamento e voto. A sociedade deve começar a se preocupar, porém, quando, à inexistência de alternância de poder, se acrescenta ao cenário um objetivo oficial perseguido com férrea obstinação e cuja consecução depende de decisões da suprema corte. Nesses casos, é tentador emascular a Justiça. Essa tentação foi levada a cabo sem freios por regimes totalitários no século passado. Dela não se viu livre nem a madura democracia americana. Irritado com a decretação de inconstitucionalidade de leis que julgava essenciais para tirar o país da profunda recessão econômica provocada pela quebra das bolsas em 1929, o presidente Franklin Roosevelt tentou dar um golpe na Justiça. Em 1937, ele pediu ao Congresso poderes para, em última análise, nomear de uma só vez seis novos juízes para a Suprema Corte. Apesar de um discurso apaixonado à nação feito pelo rádio e de seus transbordante carisma, Roosevelt não dobrou a opinião pública, e a iniciativa foi desidrata antes da derrota certa no Congresso.

Uma reportagem desta edição de VEJA mostra que o Brasil vive um momento incomparavelmente menos épico, mas que tem certa semelhança com a coceira mandonista de Roosevelt. Aqui não se trata de mudar a regra do jogo, mas de influenciar seu resultado. Desde que pôs de pé a temerária tese de que a mais comprovada malfeitoria de um governo na história recente da República, o escândalo do mensalão, não passou de uma ilusão coletiva dos brasileiros, o PT se colocou como missão prioritária obter a absolvição dos seus 36 réus no STF. O PT no governo se esmerou na escolha de indicados para ocupar vagas abertas no STF, cobrando deles, acima da competência jurídica, afinamento com as diretrizes partidárias - entre elas, a principal, a obtenção da chacela jurídica definitiva sobre a benignidade dos eventos reunidos sob o rótulo do mensalão.

Na semana passada, um desses escolhidos a dedo, o ministro Ricardo Lewandowski, saiu-se com a tese de que o julgamento dos réus do mensalão, previsto para abril do próximo ano, pode acontecer apenas em 2013. Ele alega que a complexidade do assunto exige mais tempo para a análise do processo. Se o adiamento vier a ocorrer, a impunidade dos réus do mensalão estará assegurada - seja pela prescrição das eventuais penas, seja pela consolidação da hegemonia petista na composição do STF, já que mais duas vagas serão preenchidas até o fim de 2012. A opinião pública salvou os Estados Unidos da hipertrofia do Executivo nos anos 30. A opinião pública precisa operar esse mesmo milagre no Brasil neste começo de século XXI.

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