sexta-feira, novembro 25, 2011
O resgate de uma antiga mas excelente ideia - ALEXANDRE ESPIRITO SANTO
VALOR ECONÔMICO - 25/11/11
Em meados de 2005, o ex-ministro, e então deputado Delfim Netto, propôs uma discussão bastante interessante: a meta de superávit nominal zero para o governo brasileiro. Esquecida, como tantas outras boas ideias que surgem em nosso país, seria de bom tom resgatar esse debate, sobretudo nesse momento, quando o governo Dilma Rousseff indica flexibilizar a política econômica vigente.
Primeiro, seria importante discutir se há efetivamente uma mudança em curso na política atual, consubstanciada em âncora monetária - com metas de inflação -, câmbio flutuante e superávit primário. A despeito de o governo afirmar que não, estou convencido de que o artigo da presidente no "Financial Times", em setembro, aponta para essa correção de rota na condução da economia. Ademais, a guinada nos juros patrocinada pelo Comitê de Política Monetária (Copom), no fim de agosto, além do IPI sobre automóveis importados, parece retirar eventuais dúvidas sobre esse novo arranjo macroeconômico.
O governo está se aproveitando - inteligentemente - de uma recaída da crise global para redimensionar as estratégias na economia. Na medida em que, na avaliação do Banco Central, haverá um viés deflacionário mundial, "a oportunidade é agora". E a base dessa mudança é focar no que seria o principal problema: reduzir os juros estratosféricos.
Proposta de superávit nominal zero é para que governo e sociedade busquem melhorar os gastos públicos
Os efeitos perversos dos absurdos patamares de taxas de juros reais praticadas no Brasil são as diminutas taxas históricas de investimento e de crescimento da nossa nação. É o investimento que garante a um país o crescimento sustentável, com a expansão da oferta de bens e serviços e o aumento do Produto Interno Bruto (PIB) potencial. A teoria comprova que a chave para a sustentabilidade de uma economia é o progresso tecnológico, que, em geral, demanda inversões de prazo de maturação mais longo.
Uma das mais significativas identidades da macroeconomia explicita que o ato de produzir bens de capital exige, por definição, uma poupança no mesmo montante. Em outras palavras, ex-post ambas se igualam. Portanto, seja ela doméstica - agentes privados e governo - ou externa - por meio de investimentos de não residentes no país - o fato é que o país precisa aumentar o seu nível de poupança. Vários são os estudos que demonstram que a melhor forma de se instaurar uma política pública visando o aumento do nível de poupança é por meio de uma gestão austera e eficiente dos gastos.
Uma questão fundamental quando se trata desse assunto é saber se a política fiscal brasileira atrapalhou o país na corrida pelo crescimento econômico? A resposta é afirmativa. Isso ocorre porque o aumento dos gastos públicos acentua o "crowding out" dos investimentos privados, eleva a carga tributária e as taxas reais de juros. Ademais, devido ao alto custo da dívida brasileira, o governo precisa se financiar com a emissão de nova dívida, disputando espaço com o setor privado pela poupança e criando um círculo vicioso.
Vários são os especialistas em contas públicas que demonstram que a eficiência do gasto governamental brasileiro pode ser considerada muito baixa, além de ser de má qualidade. Apesar da limitação imposta pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e do aumento anual da folha de pessoal ficar restrito ao IPCA mais 1,5%, só no pagamentos de servidores públicos, o governo aloca um percentual expressivo - em torno de 12% - do PIB, enquanto os investimentos não chegam nem a 10% desse total. Na área de saúde e educação, bens considerados meritórios, a situação também não é nada confortável. Pesquisa do Ipea revela que são os investimentos nessas áreas que mais revertem para o crescimento, face ao elevado efeito multiplicador dos mesmos.
A consequência funesta do descontrole de gastos foi nos vermos obrigados a aumentar a carga tributária para um nível considerado de primeiro mundo. A sociedade brasileira recolhe aos cofres públicos mais de 35% do PIB em tributos. E ainda assim, rotineiramente, ventilam-se novos impostos ou a recriação de "zumbis", caso da CPMF.
Deve-se assinalar, igualmente, outro ponto fundamental: pelo atual regime, o Banco Central possui uma autonomia relativa - de fato, mas não de direito - para conduzir a política monetária, visando o combate contra a inflação. No momento em que a política monetária passa a contribuir para o resultado fiscal, a credibilidade da autoridade monetária tende a ser questionada.
Em outras palavras, o Banco Central poderia ser "induzido" pelo poder executivo a conduzir as taxas de juros visando uma meta fiscal e não mais ao combate contra a inflação. Portanto, é condição imperativa para a implantação dessa nova política fiscal a independência da autoridade monetária, reforçando que o sistema de metas de inflação não foi "jogado para escanteio".
Dentro dessa linha de raciocínio, apesar dos dogmas petistas, o governo da presidente deveria retomar a agenda de privatizações de estatais para acelerar a trajetória de queda da dívida mobiliária, sobretudo em setores essenciais, como é o caso de aeroportos (a variação da dívida líquida do setor público é também afetada pelo resultado de privatizações de ativos pertencentes ao Estado e por outras variações patrimoniais). O governo deveria, igualmente, insistir nas reformas, sobretudo da previdência e tributária.
O mais relevante de relançar tal proposta de superávit nominal zero é fazer com que a maioria do governo, além da sociedade como um todo, atine para a premência de se melhorar os componentes e a qualidade dos gastos públicos. Representaria, sem dúvida, uma evolução em termos de discussões sobre políticas fiscais em nosso país. Independentemente, entretanto, de qual meta será estabelecida, cria a mensagem da importância de se aprofundar o esforço fiscal, que parece ser a âncora que a presidente mira programar agora. Sendo assim, o objetivo de redução significativa da taxa de juros real, para padrões internacionais, seria facilitada e o Banco Central administraria com maior grau de liberdade a política monetária e a própria taxa de câmbio.
Alexandre Espirito Santo é economista da WAY Investimentos e professor do IBMEC-RJ.
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