sexta-feira, novembro 25, 2011
Longa jornada - MIRIAM LEITÃO
O GLOBO - 25/11/11
A Bélgica, cuja capital é Bruxelas, sede administrativa da União Europeia, não tem governo há 18 meses e pode se desfazer. Isso não afeta os outros países, mas é emblemático do que se passa na região. A crise esta semana deu um passo assustador: aproximou-se do país mais forte ao fracassar um leilão de títulos lançados pela Alemanha. Já fazem cenários de implosão da Zona do Euro.
O economista Márcio Garcia, da PUC-RJ, diz que há discussões no mercado sobre como deverá ser a “redenominação” dos títulos soberanos. Em outras palavras, começa-se a pensar no impensável: o que fazer com os títulos dos países mais fracos, na hipótese do fim da Zona do Euro? Se acabar a união monetária, ou alguns países saírem, em que moeda vão se transformar os títulos emitidos em euro? E nesse caso de “divida soberana” quem é o “soberano”: a União Europeia ou o país que sair do padrão monetário?
Franklin Trein, coordenador do Programa de Estudos Europeus da UFRJ, acha que é trágica a hipótese de fim da União Europeia e pensa que não existe recuo estratégico nesse caso; se houver retrocesso na união monetária é o próprio projeto europeu que será desfeito:
— A Europa teve três guerras em 70 anos. No final do século XIX e as duas mundiais. Nesses conflitos, França e Alemanha se enfrentaram nos campos de batalha. Foi por isso que desde o pós-guerra começou a ser construído o projeto.
Entrevistei Trein e Garcia no Espaço Aberto, da Globonews. O economista mostrou os sinais no mercado de que a hipótese de saída de países da Zona do Euro começa a ser cada vez mais considerada; Trein falou sobre os riscos desse cenário. Política e economia tentam se equilibrar mas na verdade entraram num círculo vicioso, em que quanto mais piora a economia mais surgem problemas políticos, e impasses políticos aprofundam a crise. Oito governos já mudaram, sem contar a Bélgica.
O tema que sintetiza o dilema europeu foi colocado esta semana na mesa: emitir ou não bônus europeus que substituiriam títulos de países endividados. O grande opositor dessa ideia é a Alemanha e ontem os parlamentares do CDU, o partido da democracia cristã, de Angela Merkel, o porta-voz do partido e o ministro da Economia repetiram que são absolutamente contra esse caminho.
No eurobônus está o dilema de aprofundar ou não a união monetária. A região criou uma moeda única para 17 países, mas não criou um orçamento fiscal único, regras obrigatórias de austeridade. Estabeleceu parâmetros que não foram seguidos, de 3% de déficit e 60% de dívida/PIB como tetos. A União facilitou o endividamento e alimentou a ilusão de igualdade entre desiguais.
A proposta do presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, de criar títulos públicos unificados, encontra forte resistência também de holandeses e finlandeses. Emitir eurobônus significa dividir o risco entre todos. Como no início da criação do bloco, novamente o governo grego pagaria a mesma taxa de juros do governo alemão. E agora o temor é que, em vez de reduzir o custo dos gregos, eleve o preço a ser pago pelos alemães.
Os alemães acham que esse título só pode ser criado se houver instrumentos de intervenção nas contas dos países. Isso significa mais poder para os países mais fortes e perda de soberania dos 17 Estados que compõem a Zona do Euro.
O português Manuel Barroso argumenta que o simples anúncio da criação dos títulos acalmaria o mercado e inverteria a tendência de alta dos juros de Espanha, Itália e França, países grandes demais para serem socorridos.
Para o ex-diretor do Banco Central Carlos Thadeu de Freitas, economista-chefe da CNC, a criação de eurobônus não aconteceria em tempo de conter a crise.
— A criação de um bônus em comum é mais compatível com um bloco que possui moeda única. Mas estes títulos unificados exigiriam um orçamento fiscal único. É um processo mais longo de implementação e o problema na Europa é emergencial.
Thadeu enxerga como única saída rápida o anúncio oficial do Banco Central Europeu de que vai comprar ilimitadamente títulos públicos de Grécia, Irlanda, Portugal, Espanha, Itália, para que eles rolem suas dívidas a taxas de juros menores.
Mais uma vez, há oposição alemã, que exige, antes, que os países coloquem as contas em ordem e alerta que o BCE não é o emprestador de última instância. O economista Alexandre Schwartsman explica que a medida seria rápida, porque não exigiria mudança nos tratados da Zona do Euro, mas também significaria um retrocesso:
— Já vimos isso no Brasil. Aqui, durante muito tempo houve um orçamento monetário (uma espécie de orçamento paralelo); os limites entre Tesouro e Banco Central eram pouco definidos. Tivemos a conta-movimento (conta conjunta entre BC e BB). Institucionalmente seria um retrocesso, porém, essa é uma saída rápida.
Schwartsman lembra que apagar o incêndio resolve apenas parte do problema. Será inevitável enfrentar os problemas estruturais.
Há vários cenários pela frente; todos eles, no entanto, indicam que a Europa está numa longa jornada noite adentro. Um período prolongo de recessão.
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