Política sem pressa
RENATO JANINE RIBEIRO
VALOR ECONÕMICO - 17/10/11
Um amigo foi a Manaus, este ano, para a temporada operística. No intervalo de "Tristão e Isolda", magnífica mas, como tudo em Wagner, longuíssima, comentou aos vizinhos de plateia, já cansados: "Wagner era um homem sem pressa..." Creio que o comentário se aplica muito bem ao nosso sistema eleitoral e parte do sistema político.
Um traço essencial do regime parlamentarista é que o Parlamento pode ser dissolvido. Como ele mesmo pode destituir o governo, a forma de garantir que aja responsavelmente é fazendo pairar, sobre sua cabeça, a possibilidade de ser dissolvido - pelo presidente da República ou, às vezes, pelo primeiro-ministro. Muito bem. Isso significa que, entre o dia em que sai o decreto de dissolução e as eleições, não transcorrem mais que 30 ou 60 dias.
Aqui no Brasil, talvez o único país do mundo que conta com um ramo inteiro do Judiciário especializado em eleições, dotado por sua vez de cartórios e funcionários que trabalham o tempo todo para promover pleitos que somente se realizam a cada dois anos, cada vez que se fala em promover uma consulta - como certos plebiscitos - responde-se que a Justiça Eleitoral demorará um ano ou dois para organizá-la. É incrível o abismo entre a rapidez dos países parlamentaristas e a lentidão do nosso órgão incumbido de reger as eleições. Nada justifica essa demora.
Eleição e posse são rápidas nos países avançados
Neles, as eleições se realizam sem maiores transtornos urbanos. Nos Estados Unidos, dão-se na "primeira terça-feira após a primeira quarta-feira de novembro" - num dia útil, em que todos trabalham. Mesmo assim, votam. Não há congestionamentos de trânsito perto das seções eleitorais. Não há carros parados em lugar proibido, ante a indiferença dos guardas de trânsito, que sabem que se multarem - como deveriam - farão o motorista irritado votar na oposição ao prefeito. Tudo é normal.
Há mais. Realiza-se a eleição parlamentar, e o partido no governo perde a maioria. O líder da oposição assumirá o governo. Na manhã da segunda-feira (eleições europeias são com frequência no domingo), um caminhão de mudança estaciona diante da residência oficial do agora ex-premier, e antes do meio-dia ele desocupa a casa. Isso, aliás, sempre me espantou - como consegue isso? Em segredo a mulher e os empregados já tinham encaixotado tudo? Ou, como é provável, depois voltam para retirar o principal?
Mas estas minhas dúvidas são detalhes. O fato é que, menos de 24 horas depois da eleição, já há um novo governante em função. E também um novo governo: 20 ou 30 ministérios (ou secretarias de Estado) mudam de mãos em questão de horas. No Brasil, é normal o governante eleito começar, só aí, a fechar a sua equipe. Demora meses negociando e escolhendo, ou escolhendo e negociando. Na França, Alemanha, Reino Unido, Espanha, tudo isso se faz em menos de um dia.
Estaremos acostumados a desperdiçar o tempo da política? É essa a questão. Verdade que também isso acontece nos Estados Unidos. Da eleição à posse, lá se passam dois meses e meio, em que também há um governo desautorizado e outro, aguardando para ligar as turbinas. Os norte-americanos até dispõem de uma expressão para designar o presidente e o Congresso em fim de mandato, depois de eleitos seus sucessores: "lame duck", literalmente, pato machucado, cujas asas estão feridas e já não lhe permitem voar. Eles aceitam 75 dias de inatividade. Nós toleramos 60, em caso de segundo turno, e 90, se a eleição for definida no primeiro.
Sempre foi assim, aqui. Antes de serem informatizadas as eleições, a apuração tardava dias. Na França dos anos 1970, acompanhei alguns pleitos. Fechavam-se as urnas ao escurecer, e os mesários apuravam os votos. Pelas 22 horas, já havia os resultados de cada seção eleitoral e, o mais tardar à meia-noite, sabia-se quem ganhara e quem perdera as eleições. Por isso, de manhã o primeiro-ministro deixava a casa que ocupara durante alguns anos. No Brasil, uma rapidez comparável somente se tornou possível com a informatização. Não precisávamos ter esperado tanto.
Porque, repito: será que acreditamos que o tempo da política não vale? Que pode ser jogado fora? Que não há urgências? Que podemos demorar à vontade para ter o resultado proclamado, o ministério constituído, o governo funcionando? Nada disso faz o menor sentido. Até porque, quando o governo toma posse, esperamos ainda que no seu primeiro ano de mandato esteja acertando os ponteiros. Isso vale inclusive quando a sucessão se dá no mesmo partido - veja-se como tratamos Dilma Rousseff: não faz nem um ano que assumiu, ainda tem de trocar ministros, fazer tudo andar direito... Esta condescendência com a lentidão na coisa pública não é, seguramente, um bom sinal.
Sei das dificuldades que há na política. Nos Estados Unidos e nas democracias com voto distrital, são poucos os partidos. No Brasil, o presidente eleito tem de negociar à exaustão com os vários partidos representados no Congresso. Mas, nos Estados e municípios, é bem mais fácil. E isso não explica a lentidão dos governadores e prefeitos, ou da Justiça Eleitoral - que, por exemplo, no quadriênio passado tardou dois anos para julgar as eleições do Maranhão e da Paraíba, ainda por cima, dando seus governos aos candidatos derrotados, em vez de convocar novo pleito. Acredito que, lá onde isso é viável, e em quase todas as esferas da política o é, faria bem nossa política ter um pouco mais de pressa.
Em tempo, até porque de tempo falamos: recomendo a temporada de óperas em Manaus. Wagner é ótimo, e há também os compositores mais velozes - Mozart, os italianos...
Renato Janine Ribeiro é professor titular de ética e filosofia política na Universidade de São Paulo.
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