Consumismo jovem
MARIA INÊS DOLCI
FOLHA DE SP - 17/10/11
Fazer as contas e não assumir compromissos superiores à renda não é caretice, é uma necessidade
Os jovens estão se endividando. Segundo pesquisa da Associação Comercial de São Paulo, 67% dos inadimplentes têm menos de 35 anos e 24% têm entre 26 e 30 anos.
Mais do que um levantamento estatístico ou curiosidade, tais números expressam uma realidade preocupante: a falta de educação para o consumo. Sem isso, o jovem compra acima de suas possibilidades e talvez prossiga nesse desequilíbrio quando for mais velho. Além disso, essas pessoas não estão se endividando para comprar bens tecnológicos como computadores ou aparelhos que aumentem o conforto e a segurança no lar. Nada disso. Torraram dinheiro com roupas e calçados. O terceiro item da lista também é uma advertência, por si só: empréstimo pessoal.
A agiotagem é um dos negócios que mais se desenvolvem nos municípios brasileiros, com a oferta de dinheiro fácil, a juros extorsivos, para ávidos consumidores, principalmente das classes C e D. Dever desde os primeiros anos com carteira de trabalho assinada é uma péssima tendência para o futuro. Hábitos de poupança não são estimulados nem valorizados aqui.
É evidente que todos querem consumir. Não há crime algum nisso, até porque, sem compras, não há produção nem empregos. A economia fica estagnada e o país caminha para trás. Certamente não defendo tal comportamento. Mas o consumismo desenfreado é péssimo para as pessoas e para o ambiente e indica um descontrole que pode, sem trocadilho, custar muito caro.
Há situações que precipitam a inclusão do consumidor em listas de devedores. Desemprego e despesas inesperadas, provocadas por doenças, são totalmente compreensíveis. Planejar as compras, contudo, poderia evitar a maioria dos casos de inadimplência. Prestações que "caibam no bolso", sem verificação do quanto se paga a mais por essa aparente facilidade; crédito rotativo dos cartões; e empréstimos em geral, inclusive os consignados, são alguns dos caminhos mais rápidos para estourar os orçamentos pessoais e familiares.
Falta, também, uma lei que proíba a concessão de crédito sem exigência de garantias. Porque não há milagre em finanças. Se uma empresa não exige comprovação de renda e bens que garantam o empréstimo, só há uma explicação plausível: ela compensa o risco de calote cobrando juros de agiota.
Agiotagem é crime e não deveria ser permitida.
Antes de chegar à faixa etária que tem mais devedores na pesquisa da ACSP, jovens frequentam escolas e universidades. São orientados sobre os riscos do consumo de drogas, do tabagismo e do alcoolismo e para a importância de preservar o ambiente. Muitas vezes, têm aulas sobre cidadania, política e grandes desafios mundiais, como a escassez de água e as guerras religiosas. Por que não recebem mais subsídios sobre consumo consciente, não somente com foco ambiental, mas também em relação à proteção de seus bolsos e à aplicação do Código de Defesa do Consumidor?
Também nessa área é tolice imaginar que as autoridades resolvam tudo. Não solucionam nem problemas gravíssimos como filas nos corredores dos hospitais públicos e transporte coletivo superlotado...
Os pais deveriam ajudar nesse processo educativo, mas, convenhamos, nem os adultos escapam do excesso de compras. Então, não é uma surpresa saber que os mais novos não conseguem pagar suas contas em dia.
Perder o crédito é um desastre para qualquer pessoa. Fecha as portas para a aquisição até de produtos fundamentais, totalmente necessários, como alimentos e medicamentos. Carimba os consumidores como devedores e isso tem repercussões em todos os segmentos da vida, inclusive o profissional.
Isso não pode, então, ser visto como mais uma tendência ou consequência da inclusão social. O papel aceita tudo. Fazer as contas e não assumir compromissos superiores à renda não é caretice. É uma das condições para um futuro melhor, sem sobressaltos, sem cobradores e sem insônia. Não desejamos novas gerações repletas de devedores.
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