Aposta perigosa do governo Dilma
LUIZ CARLOS MENDONÇA DE BARROS
Valor Econômico - 17/10/2011
A política econômica de um país não pode ser construída sobre cenários especulativos, principalmente em períodos de grandes incertezas como vivemos hoje. Essa é uma limitação conhecida por quem acompanha com algum método a gestão pública em uma democracia. No caso de países que têm uma economia aberta, esse risco fica ainda mais relevante. Nas economias fechadas, principalmente em um ambiente de governos pouco democráticos, os riscos associados a uma gestão baseada em cenários construídos sem o devido cuidado são, no curto e médio prazo, menores. Mas as consequências em prazos mais longos podem ser terríveis, como nos mostra o colapso da União Soviética no final do século passado. O caso do Brasil no período Geisel é outro bom exemplo das consequências de uma avaliação errada sobre o futuro.
Corremos agora o risco de ver repetido no Brasil de hoje algo parecido. Em um momento de grandes incertezas sobre a economia no mundo desenvolvido, o governo brasileiro assumiu que o pânico que tomou conta dos mercados nas últimas semanas é a prova de que estamos entrando em um período de depressão econômica. Em resposta a essa avaliação o governo mudou o rumo da política econômica e preparou-se para uma verdadeira guerra econômica entre nações. Centralizou o comando da economia no ministério da Fazenda, fazendo do ministro Mantega seu comandante supremo. A partir dessa decisão, medidas extraordinárias passaram a ser tomadas com a justificativa de que estamos sofrendo um ataque maciço sobre nosso mercado interno.
O governo criou um IOF nas operações de venda de dólares no mercado futuro, dando ao ministro da Fazenda, que comanda o Conselho Monetário Nacional (CMN), carta branca para aumentá-lo se achar necessário. Ao Banco Central foi dada a obrigação de zelar pela manutenção de um mínimo de crescimento econômico fixado pelo Palácio do Planalto, mesmo que isso custe a obrigação - que prevalece a mais de 15 anos - de sempre buscar o centro do sistema de metas no mais curto espaço de tempo. Além disso, decretou um aumento de 30% do IPI sobre os veículos automotores importados, cruzando de forma clara a fronteira do protecionismo e abrindo um flanco perigoso na Organização Mundial do Comércio (OMC)
São medidas muito fortes, que representam uma mudança radical do soft econômico construído nos anos FHC, e que o presidente Lula manteve praticamente inalterado em seus oito anos de governo. Mas, segundo o discurso oficial, elas eram necessárias em função da gravidade do momento e dos riscos que corremos por sermos uma das poucas ilhas de demanda em um mundo em recessão.
Quero explorar com o leitor do Valor a possibilidade de não termos a crise tão terrível como a que muitos esperam. Nesse caso, como fica nossa economia amarrada por medidas tão limitadoras das forças naturais de mercado? Para onde vai a inflação, se o vento gelado da deflação mundial não chegar até nós? De acordo com algumas manifestações de membros importantes do governo o Banco Central deveria agir muito rápido para chegar logo a 9% ao ano de juros, cortando 100 pontos em cada uma das próximas três reuniões do Copom.
Explico ao leitor porque não compro esse cenário oficial. Depois da decepção que os mercados tiveram na última reunião do FMI e que causou uma queda impressionante nos preços de todos os ativos com exceção do dólar e títulos do Tesouro americano - os governos europeus sinalizaram com ênfase que vão enfrentar os desafios na Europa. A acreditar no comportamento dos mercados nos últimos dias - vejam o quadro com a comparação de alguns preços mais recentes - desta vez as medidas anunciadas e as promessas juradas foram levadas a sério. Se nas próximas semanas as decisões prometidas forem efetivadas o cenário de ruptura financeira na Europa - condição central nas previsões do governo Dilma - não vai se realizar ou, pelo menos ficará adiado. Em outras palavras, a economia europeia pode vir a sofrer do fenômeno que se chama hoje de "japoneização", mas sem uma ruptura financeira.
Nesse cenário de baixíssimo crescimento e juros próximos de zero nos países do G-7, o mundo emergente pode se transformar no único espaço econômico com crescimento. Se isso ocorrer, os investimentos estrangeiros vão representar, a partir do ano de 2012, um estímulo adicional para essas economias.
E aí, como ficaremos aqui no Brasil? Com o juro real próximo a 3% ao ano e as pressões de demanda ainda muito fortes a inflação vai continuar pressionada. Os sindicatos vão continuar a demandar salários reais mais elevados, usando a escassez de mão de obra especializada em vários setores chaves da economia como sua principal arma de luta. Nesse ambiente, a âncora da política monetária estará amarrada e enfraquecida pelo compromisso com os juros baixos. E, sem ela, os custos crescentes na economia vão continuar a afetar os preços dos bens e serviços. Nesse caso, apenas a valorização do câmbio pode moderar a inflação média, como ocorreu até recentemente. Mas a desvalorização do real para ajudar a indústria é outro compromisso com o governo e que precisaria ser alterado para ter alguma influência na inflação.
Luiz Carlos Mendonça de Barros, engenheiro e economista, é diretor-estrategista da Quest Investimentos. Foi presidente do BNDES e ministro das Comunicações.
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