Sustentabilidade e importação
EUGÊNIO DELIBERATO
O ESTADÃO - 15/10/11
Há alguns anos, sempre que se discutia poluição, a imagem usada para mostrar o descaso com a natureza era a de pneus abandonados. Em 1999, com o Programa Nacional de Coleta e Destinação de Pneus Inservíveis, os pneus produzidos no Brasil começaram a trilhar o caminho da sustentabilidade e hoje o setor tem um bem-sucedido programa de pós-consumo, que tem servido de exemplo para setores que precisam cumprir a Política Nacional de Resíduos Sólidos.
Desde 1999, quando começou a coleta pelos fabricantes nacionais, 1,71 milhão de toneladas de pneus inservíveis foram coletadas e destinadas adequadamente, o equivalente a 342 milhões de pneus de passeio, e as empresas já investiram mais de US$ 140 milhões.
Ao longo do tempo, o setor foi formando seus pontos de coleta, por meio de parcerias com prefeituras, e hoje já são mais de 700 pelo País. Diariamente, 64 caminhões transportam 850 toneladas de pneus inservíveis saindo desses pontos: o material de 50 caminhões segue para fornos de cimenteiras, os pneus de outros 14 caminhões seguem para granulação e depois o material é usado para a produção de outros produtos, como asfalto-borracha ou piso de quadras poliesportivas. Quem comanda essa complexa operação logística é a Reciclanip, entidade criada pelos fabricantes nacionais para cuidar exclusivamente dos pneus inservíveis.
O último Relatório de Pneumáticos do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), que apresenta os dados de coleta e destinação de pneus inservíveis no País de outubro/2009 a dezembro/2010, mostrou que os fabricantes nacionais cumpriram sua meta, até ultrapassando um pouco a quantidade que por obrigação deveriam coletar no período. Mas o documento revelou uma situação com que devemos nos preocupar como sociedade: os importadores de pneus, sujeitos às mesmas regras de sustentabilidade que os fabricantes nacionais, não estão cumprindo sua obrigação.
No que se refere a produtos importados, a indústria de pneumáticos brasileira passa por um momento crítico: os pneus importados, em sua maioria vindos de países asiáticos, já respondem por mais de 40% do mercado nacional. E a competição com os produtos nacionais não é justa. Reconhecendo a concorrência desleal, o governo brasileiro instituiu em 2009 a taxa antidumping para pneus chineses. Foi uma decisão importante, mas com efeito de curta duração, pois nos meses seguintes foi registrado um grande crescimento na entrada de importados de outros países asiáticos, também com preços desleais e abaixo do mercado.
O Brasil tem hoje 15 fábricas de pneus, com uma produção de 67,3 milhões de unidades em 2010. O setor emprega diretamente mais de 24 mil profissionais, além de 100 mil indiretos. Só em tecnologia, essas empresas investiram mais de R$ 4 bilhões no Brasil nos últimos cinco anos. Além disso, o setor tem os melhores salários médios da indústria de transformação brasileira, de acordo com o IBGE.
Um motorista que utiliza pneus de empresas com fábricas no Brasil pode, pois, ter a certeza de que o produto foi desenvolvido com alta tecnologia, produzido com elevados padrões de qualidade por operários bem remunerados e que têm todos seus direitos trabalhistas respeitados rigorosamente. Além disso, ele terá a consciência tranquila, uma vez que a indústria brasileira coleta e destina adequadamente os pneus inservíveis que gera. No caso dos importados asiáticos, essas garantias não existem.
Competição justa e leal é bem-vinda e o consumidor e o País só têm a ganhar com isso. Já no caso dos produtos que chegam com preço abaixo do mercado e desrespeitam regras ambientais o caso é outro: a conta até pode sair barata para o consumidor que compra os asiáticos, mas a fatura que vai chegar mais tarde para o Brasil será bem mais salgada e envolve prejuízos ambientais, enfraquecimento da indústria nacional e fechamento de postos de trabalho. Como diz o ditado popular: "O molho pode sair mais caro que o frango".
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