O engessamento do Estado provedor
EDITORIAL
O GLOBO - 19/10/11
Infelizmente, as previsões mais pessimistas se confirmaram no derretimento do sistema financeiro americano de hipotecas, um buraco negro que ameaçou jogar no abismo toda Wall Street e, por tabela, a economia mundial. Foram tomadas as medidas anticíclicas conhecidas, em todos os continentes, e, hoje, no terceiro ano de crise, pairam persistentes pontos de interrogação diante do futuro, devido à delicada situação da União Europeia, onde a aplicação de uma terapia adequada à insolvência de países e bancos é dificultada por obstáculos políticos e institucionais.
Em quase dez meses de governo, a presidente Dilma Rousseff tem enfrentado dificuldades sérias em várias frentes, corrupção à parte. Uma delas, a da inflação, onde está em curso o teste de uma terapia formalmente correta para a estabilização econômica - menos juros e mais controle de despesas -, mas contra a qual conspiram a própria tendência à gastança do grupo no poder há mais de oito anos, e até mesmo dificuldades práticas para a execução de uma imprescindível política fiscal adequada à conjuntura.
Como registrou O GLOBO no domingo, Dilma e a sociedade têm hoje um Estado construído para sustentar pessoas, por meio de transferências de renda. Pode-se argumentar que foi esta a vontade expressa na Constituinte de 87 e inscrita na Carta promulgada no ano seguinte. Sem discussão, mas é preciso saber se esta realidade é sustentável. Não é. Apenas o governo federal destinou, no ano passado, 17% do orçamento não financeiro a famílias de baixa renda e a desempregados. Um contingente de 31,8 milhões de pessoas embolsou R$116 bilhões. Estão aqui as diversas bolsas: Família, Pesca, Atleta, entre outras; aposentadorias rurais (pagas sem a necessidade de contribuição prévia), etc.
Há despesas beneméritas entre estas. Em princípio, tudo destinado ao combate à miséria tem razão de ser. A questão é saber como as despesas são executadas e compará-las com os gastos em outras áreas estratégicas.
Neste sentido vamos mal, pois os gastos do Estado provedor são mais que o dobro dos investimentos de toda a União (R$44,6 bilhões). Quer dizer, o braço de assistência social do Estado brasileiro ficou muito maior e mais forte que o destinado a ampliar e manter a infraestrutura do país, para que emprego e renda continuem a ser gerados. Mesmo setores vitais também no aspecto social, como Saúde e Educação, estão em segundo plano: em comparação com os 17,7% do orçamento não financeiro canalizados para o assistencialismo, as duas áreas somam 11,2% (Saúde, 7,9%, e Educação, 3,3%).
Quando se está num momento em que gastar menos e melhor - bordão do governo Dilma na posse - não pode ser apenas discurso, um perfil de despesas muito concentradas em assistência social empurra o governo a, em algum momento, ter de contrariar clientelas cevadas há anos por este tipo de transferências. A presidente terá de envergar um figurino de estadista.
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