quarta-feira, outubro 19, 2011

EDITORIAL O GLOBO - O engessamento do Estado provedor



O engessamento do Estado provedor
EDITORIAL 
O GLOBO - 19/10/11

Já era visível no início do segundo mandato de Lula, em 2007, o esgotamento do ciclo histórico de expansão da economia mundial. O sucessor dele teria de governar numa conjuntura diferente daquela que levou o Brasil a resgatar a dívida externa, conviver com abundância de recursos externos e internos - estes gerados por uma arrecadação tributária sempre em alta -, e uma inflação relativamente baixa.

Infelizmente, as previsões mais pessimistas se confirmaram no derretimento do sistema financeiro americano de hipotecas, um buraco negro que ameaçou jogar no abismo toda Wall Street e, por tabela, a economia mundial. Foram tomadas as medidas anticíclicas conhecidas, em todos os continentes, e, hoje, no terceiro ano de crise, pairam persistentes pontos de interrogação diante do futuro, devido à delicada situação da União Europeia, onde a aplicação de uma terapia adequada à insolvência de países e bancos é dificultada por obstáculos políticos e institucionais.

Em quase dez meses de governo, a presidente Dilma Rousseff tem enfrentado dificuldades sérias em várias frentes, corrupção à parte. Uma delas, a da inflação, onde está em curso o teste de uma terapia formalmente correta para a estabilização econômica - menos juros e mais controle de despesas -, mas contra a qual conspiram a própria tendência à gastança do grupo no poder há mais de oito anos, e até mesmo dificuldades práticas para a execução de uma imprescindível política fiscal adequada à conjuntura.

Como registrou O GLOBO no domingo, Dilma e a sociedade têm hoje um Estado construído para sustentar pessoas, por meio de transferências de renda. Pode-se argumentar que foi esta a vontade expressa na Constituinte de 87 e inscrita na Carta promulgada no ano seguinte. Sem discussão, mas é preciso saber se esta realidade é sustentável. Não é. Apenas o governo federal destinou, no ano passado, 17% do orçamento não financeiro a famílias de baixa renda e a desempregados. Um contingente de 31,8 milhões de pessoas embolsou R$116 bilhões. Estão aqui as diversas bolsas: Família, Pesca, Atleta, entre outras; aposentadorias rurais (pagas sem a necessidade de contribuição prévia), etc.

Há despesas beneméritas entre estas. Em princípio, tudo destinado ao combate à miséria tem razão de ser. A questão é saber como as despesas são executadas e compará-las com os gastos em outras áreas estratégicas.

Neste sentido vamos mal, pois os gastos do Estado provedor são mais que o dobro dos investimentos de toda a União (R$44,6 bilhões). Quer dizer, o braço de assistência social do Estado brasileiro ficou muito maior e mais forte que o destinado a ampliar e manter a infraestrutura do país, para que emprego e renda continuem a ser gerados. Mesmo setores vitais também no aspecto social, como Saúde e Educação, estão em segundo plano: em comparação com os 17,7% do orçamento não financeiro canalizados para o assistencialismo, as duas áreas somam 11,2% (Saúde, 7,9%, e Educação, 3,3%).

Quando se está num momento em que gastar menos e melhor - bordão do governo Dilma na posse - não pode ser apenas discurso, um perfil de despesas muito concentradas em assistência social empurra o governo a, em algum momento, ter de contrariar clientelas cevadas há anos por este tipo de transferências. A presidente terá de envergar um figurino de estadista.

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