Um papel para o Brasil
ALON FEUERWERKER
CORREIO BRAZILIENSE - 19/10/11
O Brasil anda surpreendentemente distante da confusão no Oriente Médio. Do desejo de protagonismo, parece ter restado a retórica. Dilma Rousseff tocou no assunto quando abriu a Assembleia Geral da ONU. Só.
Nosso país apresentou-se como candidato a ocupar o palco quando Luiz Inácio Lula da Silva decidiu que era hora de mover a peça. Foi a Jerusalém e a Ramallah, um gesto forte.
Verdade que Lula recusou visitar o túmulo do fundador do moderno nacionalismo judeu, enquanto prestava as também legítimas homenagens no túmulo do líder histórico do nacionalismo árabe-palestino.
Um viés talvez desnecessário. Mas explicado por certo alinhamento de décadas da nossa diplomacia. E também pelas posições do PT.
Mas isso é detalhe, incapaz de remover o aspecto central: se o Brasil não tem peso específico para bancar um eventual acordo, pode projetar-se a partir de uma posição de equilíbrio.
Ontem Israel e o Hamas completaram a troca que libertou 1.027 condenados palestinos e também o militar israelense Gilad Shalit, capturado há mais de cinco anos pelo Hamas em território do Estado judeu.
Uma demonstração de que mesmo inimigos aparentemente inconciliáveis acabam aceitando dialogar se vislumbram soluções interessantes para ambos. Aqui havia, e chegou-se a um acordo.
A saída definitiva para o conflito entre Israel e Palestina está bem delineada, na teoria. Quem a resumiu com mais competência foi Barack Obama. Num discurso corajoso.
Dois países, cada um deles para realizar o projeto nacional do respectivo povo.
Com fronteiras baseadas nas linhas de armistício que vigoraram entre 1949 e 1967, mas com trocas territoriais para refletir as mudanças demográficas das últimas quatro décadas e meia.
E com a garantia de os dois lados aceitarem pôr fim definitivamente ao conflito, assumindo compromissos estratégicos com a segurança do vizinho.
Uma solução desse tipo deveria obrigatoriamente incluir reparações aos descendentes de populações deslocadas à força.
Palestinos removidos de onde hoje é Israel e comunidades judaicas forçadas a abandonar os países árabes que habitavam há séculos.
Outra premissa é garantir condições de prosperidade para o futuro Estado Palestino. Com fortes investimentos e acordos de integração econômica.
O conflito naquele pedaço do mundo persiste não pela falta de soluções razoáveis no papel, mas pela ausência de liderança política que as faça acontecer.
Aparentemente, Israel está mais perto de abandonar a ilusão de tentar realizar seu projeto nacional negando aos palestinos o mesmo direito.
Mas o discurso de Abu Mazen na ONU mostrou que o lado palestino ainda enfrenta dificuldades para admitir que os judeus têm ligação com aquele território e direito de concretizar ali sua autodeterminação.
Pois se a Autoridade Palestina considera razoável exigir que todo palestino tenha direito de habitar Israel, também será aceitável, por isonomia, que todo judeu tenha o direito de ajudar a povoar o futuro Estado da Palestina.
Um ponto de partida para chegar a lugar nenhum.
A supressão do direito alheio " como em qualquer conflito " supõe o recurso à violência, no caso a guerra. Quando se fala em paz, uma premissa é reconhecer a legitimidade do projeto do outro.
Esse é o passo decisivo. E aqui poderia caber ao Brasil um papel de destaque. Nosso país tem autoridade política e moral para vocalizar essa linha. De um modo mais afirmativo do que Dilma Rousseff vem fazendo.
Inclusive porque é só meia verdade dizer que o problema não nos afeta diretamente.
Se o quadro ali evoluir para uma confrontação militar regional, as incertezas produzirão um novo e potente vetor de desequilíbrio da economia mundial. Na pior hora possível.
É só olhar o mapa e notar que quase metade do petróleo do mundo passa pelo estreito de Ormuz.
Isso para começo de conversa.
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