Do amor e da baixa autoestima
LULI RADFAHRER
FOLHA DE SP - 19/10/11
HÁ um quê de Ayrton Senna, de Lady Di, na dor que sucedeu a morte de Steve Jobs.
A morte, em si, não surpreendeu. A doença era grave, e o biótipo minguante não deixava dúvidas de que o fim estaria próximo. É certo que as circunstâncias que a antecederam tiveram um jeitão de Tancredo. Pois, se morrer no dia seguinte à estreia do sucessor, no lançamento de um produto crucial, já levantaria suspeitas de um acordo divino, deixar os palcos por e-mail, sem apoteose, justo ele que era o rei dos keynotes, é no mínimo um anticlímax.
Mas foi o tamanho da repercussão que me impressionou. Chegou a lembrar a comoção nacional por Ayrton Senna. A multidão que acompanhou seu corpo na 23 de Maio não dizia respeito à morte de um esportista arrojado, que pilotava com o brilho de um Gilles Villeneuve e a coragem de um Niki Lauda. Chorava-se a morte daquele que simbolizava o amor à pátria. Nunca mais a Fórmula 1 teve o mesmo gosto.
Três anos mais tarde morria Lady Diana, princesa de Gales. Desde seu casamento em 1981, a moça mostrava às mulheres que era possível ser bela e influente sem ser Maria Antonieta. Sua história, eviscerada pela mídia pré-Facebook, era um exemplo de elegância e rebeldia contra um sistema poderosíssimo.
Seria tão fácil e esperado baixar a cabeça, suportar a amante e posar sorrindo para as fotos oficiais. Mas ela resistiu e canalizou atitudes e desejos de uma independência que, se longe de ser universal, pelo menos está muito melhor do que a época das Jeannies e das secretárias de "Mad Men".
O mundo é certamente mais duro sem eles. Mas... e Jobs? Por mais que seu estilo de vestimenta e rebeldia lembrassem um James Dean ou Kurt Cobain, ele não tinha nada de Amy Winehouse. Seu histórico não era diferente do de tantos ex-hippies, sem curso superior completo, financiados pelos ciclos de prosperidade da Costa Oeste americana.
Suas batalhas eram ousadas, mas não demandavam risco de morte a ponto de pilotar um bólido em alta velocidade de olhos fechados só para não perder a visão do túnel de Mônaco. Em seu histórico, a única vez que peitou sozinho um sistema maior do que ele, acabou demitido.
Os depoimentos comoventes que se seguiram ao anúncio de sua morte não eram histórias de sucesso ou consumo, mas de amor. Um amor diferente daquele embalado pelas músicas de um John Lennon ou pelos poemas de um Vinicius de Moraes. Um amor mediado por coisas e correspondido por elas.
A maioria dos que lamentaram sua perda não chorava pela morte do Papai Noel que materializava os sonhos mais lindos, mas sofria pelo triste fim daquele que foi o pai de objetos diferentes. Dele nasceram os primeiros produtos de consumo de massa a serem colocados no mercado incompletos, frágeis, dependentes e cheios de manias, como tamagotchis de estimação.
Computadores com a personalidade ideal para acolher indivíduos modernos e antenados, ao mesmo tempo conectados e sós, poderosos e carentes, independentes e isolados, que terceirizavam parte da autoestima, perdida pelo excesso de trabalho, para máquinas que, mesmo incapazes de compreendê-los, pareciam ouvi-los. Máquinas que, após a invenção desses dispositivos de relacionamento, nunca mais foram as mesmas. Os vínculos que criam, ao contrário da vida de Jobs, jamais serão interrompidos
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