O papel aceita tudo
ALON FEUERWERKER
CORREIO BRAZILIENSE - 05/10/11
Dilma recomenda heterodoxia aos europeus, mas o que tem garantido relativo equilíbrio e relativa capacidade de crescimento à economia brasileira é justamente o tanto de disciplina fiscal que o país conseguiu produzir
Quando veio ao Brasil, este ano, o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, precisou explicar aos eleitores dele que viajava para garantir negócios e gerar empregos americanos na América. Na do Norte, claro.
Pois o americano médio precisava entender por que Obama resolvera passear aqui quando tinha tanta coisa mais séria a tratar ali.
Os governantes conduzem as relações externas de olho na política interna. Quando desfilam do lado de fora, continuam atentos à turma de dentro.
Pois a fonte de poder está dentro, não fora. Quem elege são os nacionais, não os internacionais.
Dilma Rousseff foi à Europa justo no pior (ainda que sempre possa piorar) momento da economia europeia. E tratou de discorrer sobre como não enfrentar uma crise.
Austeridade fiscal, por exemplo, não seria recomendável. Conduz à recessão, à perda de empregos, etc.
Esse discurso recolhe sucesso aqui dentro. Ainda mais quando acoplado ao desejo de vingança do oprimido.
"Agora vamos ensinar a eles como é que se faz. Bem diferente de quando eles vinham aqui nos dizer como fazer."
Reconheçamos: o Brasil a-do-ra ficar repetindo isso. Digo o povo, e não só o governo.
Pois é mais fácil arrancar um país da condição colonial do que eliminar a cicatriz colonial da alma de um país. Revelada também na necessidade compulsiva de se mostrar, em todo momento, acima dos outros.
Mas, e os fatos?
O que tem garantido relativo equilíbrio e relativa capacidade de crescimento à economia brasileira é justamente o tanto de disciplina fiscal que o país conseguiu produzir após longa era de gorda inflação.
E não foi fácil, nem automático.
Mesmo Fernando Henrique Cardoso, cujos seguidores hoje reivindicam quase teologicamente a paternidade da responsabilidade fiscal, só descobriu as virtudes de um orçamento mais austero depois de levar o país à quebra em 1999.
O presidente já estava convenientemente reeleito para um segundo e derradeiro mandato. E não mais tinha como vender estatais. Não mais havia coelhos para tirar da cartola.
Aí veio Luiz Inácio Lula da Silva, cujo ato inaugural para controlar a economia deixada meio instável pelo antecessor foi dar uma bela tacada nos juros morro acima e um superavit primário recorde.
Isso não o impediu de continuar falando mal do FMI, do Consenso de Washington, de FHC, dos neoliberais, etc. Um ilusionismo deveras útil, politicamente falando.
Agora mesmo, o governo brasileiro insiste na necessidade de apertar o cinto. Resultado também da farra insustentável de 2010. Que prometeram perene, mas acabou.
As dificuldades políticas em Brasília resvalam nisso. Emendas, investimentos, aumentos salariais esbarram nisso.
Quando a crise mundial estourou, em 2008, o mundo passou a rodar a maquininha e a gastar o que tinha e o que não tinha, para fugir do colapso. Nós inclusive.
O problema é que o endividamento chegou agora num nível complicado, sem sinal de que o remédio vai mesmo tirar o paciente da enfermaria.
E por isso o doente ameaça voltar para a UTI.
E volta a preocupação com as contas.
Está certo? Errado? Vai dar certo? Não vai?
Os assim chamados movimentos sociais, desorganizados ou organizados, torcem o nariz. Bem como os keynesianos. Dizem que o remédio heterodoxo é bom, só não veio ainda em dose suficiente.
Esse pessoal anda meio sem ibope nos ambientes que efetivamente contam para a condução das políticas econômicas. Inclusive aqui.
De relevante mesmo, só a impressão de incerteza generalizada. O tom entre os economistas anda meio mudado. Há alguns que até adotaram a humildade, a modéstia.
Acredite, se quiser. É grave a crise.
Só uma coisa é certa. Por via das dúvidas, está todo mundo, inclusive o governo brasileiro, apertando o cinto.
Mas, e o discurso?
Apenas comprova que o papel aceita tudo.
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