Não foi por falta de aviso
HERÁCLITO FORTES
O Globo - 05/09/2011
Durante as eleições de 2006, denúncia envolvendo uma ONG e uma pessoa conhecida como "o churrasqueiro do Lula" chamou a atenção para a atuação dessas organizações. Na ocasião, pipocavam suspeitas sobre algumas delas que de "não governamentais" não tinham nada, como se viu desde então. Propus a criação de uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) para investigar o assunto. Como estávamos no período eleitoral, seria para o ano seguinte.
O recorde de assinaturas de apoio, ao contrário do que se poderia imaginar, não significou qualquer disposição para apurar os fatos. O governo escolheu a dedo uma pessoa de sua inteira confiança, como foi dito à época, para o cargo de relator - o senador Inácio Arruda (PCdoB-CE) - e fez de tudo para boicotar as investigações. Depois de muitas tentativas e algumas prorrogações, a CPI terminou melancolicamente, sem aprovar relatório algum.
Aliás, o relator nem se deu ao trabalho de aparecer e apresentar o resultado das investigações que deveria conduzir. Entregou um rascunho de 1.500 páginas, que chamou de marco legal.
Durante todo este período, a imprensa apresentou dezenas de denúncias, que já miravam, entre outros, o Ministério do Turismo.
Não faltaram também graves indícios de desvios de recursos nos ministérios do Desenvolvimento Agrário (com entidades ligadas ao MST, que chegaram até a promover uma baderna na Câmara), dos Esportes, do Trabalho, da Ciência e Tecnologia, além de Petrobras, fundos de pensão e prefeituras, sobretudo do Grande ABC, quase sempre ligadas ao PT.
Aliás, o traço comum é a ligação entre as entidades e os partidos políticos que controlam os órgãos.
Os resultados, no final, não foram extraordinários, reconheço. Mas houve casos simbólicos, como o da Finatec, em Brasília, que resultou em condenações na Justiça, o da Fetraf-Sul (Federação dos Trabalhadores em Agricultura Familiar, de Santa Catarina), que agora volta ao noticiário, ou o da Angrhamazônica, entidade que recebeu R$2,5 milhões dos ministérios do Turismo e da Cultura, para organizar um réveillon em Brasília e conseguiu dar o cano nos "bois" Garantido e Vermelho, do Amazonas, ao mesmo tempo.
No fim de 2006, a então ministra Dilma Rousseff dizia que não se podia criminalizar as ONGs, pois elas prestavam grandes serviços ao país. O já naquela época ministro da Controladoria Geral da União - que até aqui só mostrou eficiência (discutível) com prefeituras de pequenos municípios - dizia que era preciso cuidado para regulamentar o chamado Terceiro Setor.
Mas a própria CGU apresentou um número preocupante: de 1999 a 2006, foram repassados a ONGs e Oscips nada menos do que R$33 bilhões. E constatou fraudes de R$360 milhões em convênios celebrados nos últimos 18 meses entre o governo - o de Dilma também, portanto - e ONGs.
Em 2007, atendendo a uma recomendação do Tribunal de Contas da União, o governo ensaiou uma proposta para controle das verbas repassadas a essas entidades, mas recuou vergonhosamente. Existe, aliás, um decreto do ex-presidente Lula criando o Portal dos Convênios e ordenando que ele funcionasse.
A ocasião, agora, é propícia. Quem sabe, a presidente Dilma não aproveita o ensejo da faxina e o coloca em pleno funcionamento, com critérios claros de seleção e cobrança de resultados.
À vista de todos, na internet, com total transparência. Pois os escândalos tendem a se repetir, como avisamos antes e estamos reiterando agora.
Se levado a sério, pode ser até mais eficiente que uma Comissão Parlamentar de Inquérito que, embora seja um instrumento da minoria, é impedida de funcionar pela maioria.
No mais, ganha um prêmio da mega-sena (que, aliás, estranhamente só tem contemplado uma única pessoa) quem souber quantas ONGs existem no Brasil. Militares experientes dizem que, só na Amazônia, são 100 mil. Há estudos no próprio Ministério do Planejamento que falam em 500 mil. Durma-se com um barulho desses.
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