Cascos duros
EDITORIAL
O ESTADÃO - 22/09/11
O Brasil andou. A presidente Dilma Rousseff fez menos do que a sociedade anseia em matéria de combate à corrupção. Mas talvez tenha feito o possível, até aqui, dentro das herdadas condições em que lhe é dado governar. Ela exerce o poder dependendo de uma cáfila de políticos a quem o então presidente Lula ensinou que tudo lhes será perdoado desde que não criem problemas para a "governabilidade" do País. De todo modo, apesar das limitações com as quais lida pelo método do ensaio-e-erro, e ao contrário do seu patrono, soa convincente quando louva a ética pública e reitera de que lado está entre o vício e a virtude.
Por uma dessas coincidências a que se deve ser grato, porque lançou um súbito facho de luz sobre o contraste entre a mentalidade que reinava até há pouco no coração do governo e a que tenta se afirmar, quanto mais não seja pela força da palavra, Dilma e Lula falaram de corrupção no mesmo dia, anteontem, em locais e circunstâncias tão diferentes como os dizeres de cada qual. No hotel Waldorf Astoria, em Nova York, perante dignitários de 46 países, a começar do americano Barack Obama, ela foi uma das oradoras da sessão inaugural da organização Parceria para o Governo Aberto, da qual o Brasil é um dos codirigentes. A entidade incentiva o livre fluxo da informação oficial a fim de promover a participação das sociedades nas decisões do Estado e a vigilância sobre a conduta das autoridades.
Nesse cenário, a presidente brasileira deu o seu recado não propriamente aos grandes deste mundo, mas aos residentes do mundo político brasileiro, cuja integridade não raro é inversamente proporcional ao tamanho de sua propensão para a falcatrua e de suas expectativas de impunidade. Daí ela ter renovado a advertência que ecoou bem à época, mas os fatos subsequentes (e a licenciosa lição do passado) ameaçaram desmoralizar: "Fui muito clara desde o meu discurso de posse, em janeiro, quando afirmei que meu governo não terá compromisso com o erro, o desvio e o malfeito". Foi também para o Brasil, em especial para as pulsões liberticidas que costumam irromper no PT, o estudado elogio à "posição vigilante da imprensa brasileira, não submetida a qualquer constrangimento governamental".
Pano rápido para outra cena. Em Salvador, onde recebeu um título de doutor honoris causa da Universidade Federal da Bahia, Lula deu uma aula sobre o que os errados, desviantes e malfeitores devem ser - e o que não devem fazer - quando os seus atos são trazidos à tona. Reza o manual lulista de resistência à faxina que "político tem que ter casco duro". Quando acusado de fazer coisa errada, "não pode tremer".
Se não enfrentar a briga, ensinou, "acaba saindo mesmo". O ex-presidente não está nem remotamente preocupado com a presença de corruptos ou coniventes com a corrupção nos altos escalões da administração federal. É a sua sobrevida que lhe interessa. Foi assim consigo próprio. De início, atrapalhou-se com o mensalão. Se não chegou a tremer, fraquejou. Depois, o casco duro prevaleceu - e o escândalo foi debitado à "mídia golpista".
O Brasil andou, sim, mas tropeça quando menos se espera. Não fosse o injustificado bloqueio do presidente do Senado, José Sarney, e do seu colega Fernando Collor, relator da matéria, ao projeto da Lei de Acesso de Informação, que permite a divulgação de documentos secretos depois de 25 anos, prorrogados por outro tanto - e acaba com o sigilo de textos que envolvam direitos humanos -, Dilma não teria sofrido óbvio constrangimento no evento de Nova York em que falou sobre seus compromissos éticos. Ela ouviu Obama citar o México, a Turquia e a Libéria, mas não o Brasil, evidentemente, como exemplos de países que aprovaram leis "que garantem o acesso de suas populações à informação pública". Sarney e Collor alegaram que os diplomatas e os militares se opunham ao projeto do governo. O Itamaraty e as Forças Armadas os desmentiram.
Pensando bem, faz sentido. Esperar daquela dupla de "cascos duros", com seus notórios prontuários, apoio à transparência na gestão das instituições de governo equivale a esperar de Lula, de quem ambos foram aliados, intolerância à corrupção.
Por uma dessas coincidências a que se deve ser grato, porque lançou um súbito facho de luz sobre o contraste entre a mentalidade que reinava até há pouco no coração do governo e a que tenta se afirmar, quanto mais não seja pela força da palavra, Dilma e Lula falaram de corrupção no mesmo dia, anteontem, em locais e circunstâncias tão diferentes como os dizeres de cada qual. No hotel Waldorf Astoria, em Nova York, perante dignitários de 46 países, a começar do americano Barack Obama, ela foi uma das oradoras da sessão inaugural da organização Parceria para o Governo Aberto, da qual o Brasil é um dos codirigentes. A entidade incentiva o livre fluxo da informação oficial a fim de promover a participação das sociedades nas decisões do Estado e a vigilância sobre a conduta das autoridades.
Nesse cenário, a presidente brasileira deu o seu recado não propriamente aos grandes deste mundo, mas aos residentes do mundo político brasileiro, cuja integridade não raro é inversamente proporcional ao tamanho de sua propensão para a falcatrua e de suas expectativas de impunidade. Daí ela ter renovado a advertência que ecoou bem à época, mas os fatos subsequentes (e a licenciosa lição do passado) ameaçaram desmoralizar: "Fui muito clara desde o meu discurso de posse, em janeiro, quando afirmei que meu governo não terá compromisso com o erro, o desvio e o malfeito". Foi também para o Brasil, em especial para as pulsões liberticidas que costumam irromper no PT, o estudado elogio à "posição vigilante da imprensa brasileira, não submetida a qualquer constrangimento governamental".
Pano rápido para outra cena. Em Salvador, onde recebeu um título de doutor honoris causa da Universidade Federal da Bahia, Lula deu uma aula sobre o que os errados, desviantes e malfeitores devem ser - e o que não devem fazer - quando os seus atos são trazidos à tona. Reza o manual lulista de resistência à faxina que "político tem que ter casco duro". Quando acusado de fazer coisa errada, "não pode tremer".
Se não enfrentar a briga, ensinou, "acaba saindo mesmo". O ex-presidente não está nem remotamente preocupado com a presença de corruptos ou coniventes com a corrupção nos altos escalões da administração federal. É a sua sobrevida que lhe interessa. Foi assim consigo próprio. De início, atrapalhou-se com o mensalão. Se não chegou a tremer, fraquejou. Depois, o casco duro prevaleceu - e o escândalo foi debitado à "mídia golpista".
O Brasil andou, sim, mas tropeça quando menos se espera. Não fosse o injustificado bloqueio do presidente do Senado, José Sarney, e do seu colega Fernando Collor, relator da matéria, ao projeto da Lei de Acesso de Informação, que permite a divulgação de documentos secretos depois de 25 anos, prorrogados por outro tanto - e acaba com o sigilo de textos que envolvam direitos humanos -, Dilma não teria sofrido óbvio constrangimento no evento de Nova York em que falou sobre seus compromissos éticos. Ela ouviu Obama citar o México, a Turquia e a Libéria, mas não o Brasil, evidentemente, como exemplos de países que aprovaram leis "que garantem o acesso de suas populações à informação pública". Sarney e Collor alegaram que os diplomatas e os militares se opunham ao projeto do governo. O Itamaraty e as Forças Armadas os desmentiram.
Pensando bem, faz sentido. Esperar daquela dupla de "cascos duros", com seus notórios prontuários, apoio à transparência na gestão das instituições de governo equivale a esperar de Lula, de quem ambos foram aliados, intolerância à corrupção.
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