Ora, a lei?
WALTER CENEVIVA
FOLHA DE SP - 20/08/11
A constatação clara é que não há meio de afastar da sociedade os delinquentes, trancando-os em prisões
GETÚLIO VARGAS, que foi ditador e presidente constitucional do Brasil, era -além de líder popular e populista- um bom orador. Na campanha eleitoral em que foi referendado pelo voto livre e eleito presidente da República, proferiu célebre discurso. Nele Vargas usou a mesma frase do título, com outro sentido, sem o ponto de interrogação. Criticava o desrespeito das leis pelos seus opositores. Atribuía a eles maus comportamentos, para depois dizer que a lei apontaria para outro rumo, se fosse para ser respeitada. Aditava em tom zombeteiro: "Mas a lei? ... Ora, a lei!". Esse é o caso no desrespeito das leis que a presidente Dilma Rousseff tem enfrentado, gerando reações graves e agitando o Congresso Nacional.
O leitor está informado de que, neste agosto, entrou em vigor a lei nº. 12.403, de maio último, que alterou 40 artigos do Código de Processo Penal. Editado sob as ordens do mesmo Getúlio Vargas, o Código passou a vigorar em 1º de janeiro de 1942, ou seja, há 69 anos. O ministro da Justiça na época era Francisco Campos, cujo apelido de Chico Ciência homenageava seus conhecimentos jurídicos.
Uma mudança tão extensa se explica pela transformação radical na realidade social brasileira e mundial nesse período. Conforme se tem dito e repetido, a história terminou em meados do século 20. Uma outra história começou desde o crescimento do índice de natalidade e com as grandes emigrações estrangeiras (não só europeias, mas também asiáticas). O fenômeno foi planetário, mas -no caso do Brasil- basta lembrar a conquista de todo o interior do território central, sobretudo no oeste. Paralelamente, verificou-se uma concentração urbana do sudeste do Rio de Janeiro até Porto Alegre, dominante nos quase 40 milhões de habitantes do Estado de São Paulo.
Na área penal, para explicar a lei nº. 12.403, a constatação clara é que não há meio de afastar da sociedade todos os delinquentes, trancando-os em prisões. A razão é óbvia: a adição de celas disponíveis em nosso sistema penitenciário não acompanhou o crescimento da criminalidade. Com isso, a roda da vida estimula o aumento de delitos e da violência empregada. O círculo vicioso caminhou para um desastre social ainda mais grave do que aquele que se tem visto. Numa simplificação extrema, cabe dizer que a lei nº. 12.403 tem em vista reduzir o número de presos de nossas cadeias. Há lógica inspiração jurídica nesse caminho: a prisão em condições subumanas só estimula o aumento de criminalidade.
Esse aumento tem sido geométrico na experiência dos últimos 60 anos. A solução que inspirou os autores da lei nº. 12.403 consiste, "grosso modo", na simplificação dos processos penais, evitando levar os condenados a prisões que não têm condições de acolhê-los. A solução pode ser acompanhada pelos métodos de controle eletrônico das deslocações do condenado, permitindo o rigoroso monitoramento de suas andanças, minuto a minuto, todos os dias.
Mesmo qualificada, a tentativa de pormenorizar o que pode acontecer a partir de agora talvez seja inútil. Temos de esperar para ver. Orar pela lei, orar por seus bons efeitos, alterando o sentido da frase célebre no discurso de Vargas, enquanto súmula de nossa esperança. Certeza absoluta de sua eficácia não dá para afirmar, mas é um começo.
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