Embromação 29
ROLF KUNTZ
O ESTADÃO - 31/08/11
Não falta recurso para saúde e educação. Faltam capacidade e respeito ao interesse público
É pura embromação. O governo federal não precisa de mais impostos para a saúde, nem é necessário vincular verbas quando se quer, de fato, dar prioridade a uma política pública. Há um embuste por trás da controvérsia sobre a regulamentação da Emenda 29. Deputados tanto da base quanto da oposição defendem a votação do projeto em setembro. A presidente Dilma Rousseff propõe uma condição: se quiserem votar, inventem uma fonte de financiamento para as novas despesas. Governadores apoiam, porque desejam receber uma fatia do novo tributo - provavelmente a tal Contribuição Social para Saúde (CSS), uma versão ligeiramente aguada, mas igualmente ruim, do velho e extinto imposto do cheque, também conhecido como Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). A embromação básica, matriz de todo o resto, está embutida na própria Emenda Constitucional n.º 29, de 13 de setembro de 2000, um enorme trambolho adicionado ao já defeituoso processo orçamentário.
Essa emenda tornou ainda mais emperrada a gestão das finanças públicas, aumentando a vinculação de recursos. A União ficou obrigada, até 2004, a destinar a "ações e serviços públicos de saúde" o montante aplicado no ano anterior corrigido pela variação nominal do Produto Interno Bruto (PIB). Distrito Federal, Estados e municípios seriam obrigados a aplicar certa parcela de recursos, mas seriam beneficiados pelo repasse de verbas federais. Na falta de uma lei complementar, essas normas continuariam em vigor a partir de 2005 - e esta é a situação atual.
Um projeto de regulamentação só foi apresentado em 2007, por iniciativa do senador Tião Viana (PT-AC). A matéria foi aprovada rapidamente e em 2008 começou a tramitar na Câmara. O deputado Pepe Vargas (PT-RS), relator na Comissão de Finanças e Tributação, apresentou um substitutivo com a proposta de criação da CSS. Foi a primeira tentativa de recriação da CPMF, extinta no fim do ano anterior. A presidente Dilma Rousseff já apoiou a instituição desse tributo, mas, neste momento, parece pouco disposta a sustentar essa posição. Se os congressistas assumirem o custo político, tanto melhor. Afinal, até governadores formalmente oposicionistas, como o paulista Geraldo Alckmin, apoiam a ideia. Por que não aproveitar?
Em vez de regulamentar a Emenda 29, políticos de fato interessados na qualidade e na eficiência da gestão pública deveriam batalhar pela extinção dessa e de outras normas de vinculação orçamentária. Vinculações tornam o Orçamento pouco flexível, dificultam a gestão racional de recursos, favorecem a inércia de maus administradores e criam ambiente propício ao desperdício e à corrupção.
Verbas carimbadas não impediram, nos últimos anos, uma gestão historicamente ruim no Ministério da Educação, com trapalhadas nas avaliações periódicas do ensino, vazamentos de provas, financiamento de livros e kits educacionais contestados até pela presidente da República e erros evidentes na escolha de prioridades, como confirmam os dados assustadores sobre a formação nos níveis fundamental e médio. É inútil procurar no setor de saúde qualquer justificativa para verbas carimbadas.
Ao contrário: com mais planejamento, melhor seleção de objetivos e maior competência na administração de pessoal e de recursos financeiros, ministros poderiam fazer muito mais sem depender de verbas garantidas pela Constituição. Além disso, o fim das vinculações obrigaria cada ministro a mostrar serviço, apresentando planos e resultados, e a batalhar pelo dinheiro necessário ao seu trabalho.
A mesma observação vale para os governos estaduais e municipais. Governadores e prefeitos têm a vida facilitada por transferências federais. Muitos não têm sequer o incômodo da prestação de contas. A baixa qualidade dos controles, atribuível à omissão ou à incompetência dos Ministérios, é atestada com frequência pelo Tribunal de Contas da União.
Líderes aliados indicaram à ministra de Relações Institucionais, Ideli Salvatti, a disposição de criar um tributo para custear os gastos com a saúde. Uma fonte extra é necessária e a CSS continua na mesa, segundo o líder do governo na Câmara, deputado Cândido Vaccarezza. Mas para que dinheiro extra, se a arrecadação cresce, normalmente, mais do que o PIB? A resposta é simples: qualquer novo dinheiro carimbado aumenta o bolo e deixa mais verbas para o governo e a companheirada gastarem alegremente. O objetivo não é a boa gestão. É manter e, se possível, expandir a gastança para atender a interesses pessoais e partidários. Se as verbas já disponíveis para educação e saúde tivessem sido usadas com um pouco de competência e decência, o Brasil estaria em condição muito melhor.
Essa emenda tornou ainda mais emperrada a gestão das finanças públicas, aumentando a vinculação de recursos. A União ficou obrigada, até 2004, a destinar a "ações e serviços públicos de saúde" o montante aplicado no ano anterior corrigido pela variação nominal do Produto Interno Bruto (PIB). Distrito Federal, Estados e municípios seriam obrigados a aplicar certa parcela de recursos, mas seriam beneficiados pelo repasse de verbas federais. Na falta de uma lei complementar, essas normas continuariam em vigor a partir de 2005 - e esta é a situação atual.
Um projeto de regulamentação só foi apresentado em 2007, por iniciativa do senador Tião Viana (PT-AC). A matéria foi aprovada rapidamente e em 2008 começou a tramitar na Câmara. O deputado Pepe Vargas (PT-RS), relator na Comissão de Finanças e Tributação, apresentou um substitutivo com a proposta de criação da CSS. Foi a primeira tentativa de recriação da CPMF, extinta no fim do ano anterior. A presidente Dilma Rousseff já apoiou a instituição desse tributo, mas, neste momento, parece pouco disposta a sustentar essa posição. Se os congressistas assumirem o custo político, tanto melhor. Afinal, até governadores formalmente oposicionistas, como o paulista Geraldo Alckmin, apoiam a ideia. Por que não aproveitar?
Em vez de regulamentar a Emenda 29, políticos de fato interessados na qualidade e na eficiência da gestão pública deveriam batalhar pela extinção dessa e de outras normas de vinculação orçamentária. Vinculações tornam o Orçamento pouco flexível, dificultam a gestão racional de recursos, favorecem a inércia de maus administradores e criam ambiente propício ao desperdício e à corrupção.
Verbas carimbadas não impediram, nos últimos anos, uma gestão historicamente ruim no Ministério da Educação, com trapalhadas nas avaliações periódicas do ensino, vazamentos de provas, financiamento de livros e kits educacionais contestados até pela presidente da República e erros evidentes na escolha de prioridades, como confirmam os dados assustadores sobre a formação nos níveis fundamental e médio. É inútil procurar no setor de saúde qualquer justificativa para verbas carimbadas.
Ao contrário: com mais planejamento, melhor seleção de objetivos e maior competência na administração de pessoal e de recursos financeiros, ministros poderiam fazer muito mais sem depender de verbas garantidas pela Constituição. Além disso, o fim das vinculações obrigaria cada ministro a mostrar serviço, apresentando planos e resultados, e a batalhar pelo dinheiro necessário ao seu trabalho.
A mesma observação vale para os governos estaduais e municipais. Governadores e prefeitos têm a vida facilitada por transferências federais. Muitos não têm sequer o incômodo da prestação de contas. A baixa qualidade dos controles, atribuível à omissão ou à incompetência dos Ministérios, é atestada com frequência pelo Tribunal de Contas da União.
Líderes aliados indicaram à ministra de Relações Institucionais, Ideli Salvatti, a disposição de criar um tributo para custear os gastos com a saúde. Uma fonte extra é necessária e a CSS continua na mesa, segundo o líder do governo na Câmara, deputado Cândido Vaccarezza. Mas para que dinheiro extra, se a arrecadação cresce, normalmente, mais do que o PIB? A resposta é simples: qualquer novo dinheiro carimbado aumenta o bolo e deixa mais verbas para o governo e a companheirada gastarem alegremente. O objetivo não é a boa gestão. É manter e, se possível, expandir a gastança para atender a interesses pessoais e partidários. Se as verbas já disponíveis para educação e saúde tivessem sido usadas com um pouco de competência e decência, o Brasil estaria em condição muito melhor.
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