quinta-feira, agosto 25, 2011

MÍRIAM LEITÃO - No meio do nada


No meio do nada
MÍRIAM LEITÃO
O GLOBO - 25/08/11

Jackson Hole, no Wyoming, tem tudo para não ser notícia. É um lugar perdido no meio de rigorosamente nada. A reunião que tradicionalmente é feita lá era no começo apenas acadêmica, mas virou hoje o ponto para o qual a economia do mundo inteiro está olhando. O presidente do Fed, Ben Bernanke, falará na reunião - como já fez outras vezes - mas não haverá milagres.

Jackson Hole é um vale no meio de montanhas, na fronteira entre Wyoming com Idaho, e onde há dois parques nacionais, Yellowstone e Grand Teton. E como o nome indica, é um buraco, cercado de montanhas. Se a geografia já não favorece a notícia, o momento, menos ainda.

A economista Monica de Bolle, da Galanto Consultoria, explica que essa reunião é apenas um simpósio acadêmico, e que foi ganhando importância. Mas não é exatamente uma reunião do Fed. "Há certo exagero em tratar Jackson Hole como se fosse uma reunião do Fed. E é difícil enxergar que grandes coisas o BC americano pode fazer. Tem gente dizendo que na reunião de 2010 ele praticamente anunciou o QE2 (compra de títulos que representou a segunda injeção monetária na economia), mas em agosto daquele ano o CPI (inflação ao consumidor) em 12 meses estava em 1%. Havia um risco não desprezível de espiral deflacionária. Hoje, a inflação americana está acima de 3,5%. Ele tem pouco espaço para anunciar alguma coisa bombástica", diz.

O professor Márcio Garcia, da PUC-Rio, também acha que a caixa de ferramentas do presidente do Fed está praticamente vazia. O que o espanta é a notícia de que o BC americano deu créditos que chegam a mais de US$ 1 trilhão a alguns bancos numa modalidade de empréstimos especiais que não tem que passar pelo Congresso. Esse tratamento privilegiado cria uma aristocracia bancária.

A impressão dos economistas, quando se pergunta o que esperam de Jackson Hole, é de que pouca coisa pode acontecer. Mesmo assim, o mercado do mundo inteiro criou a expectativa de que algo de milagroso será anunciado por Ben Bernanke amanhã, na reunião.

A torcida do pessoal que atua nas Bolsas do mundo inteiro é explicada pelo economista José Júlio Senna. "O índice S & P 500, da Bolsa americana, subiu 63% com o QE1 (quando o Fed pela primeira vez recomprou títulos para jogar dólares no mercado), se for calculado do piso ao máximo em que chegou. Depois, no QE2, o mesmo índice subiu 24%. Então, se houver um terceiro anúncio, haverá impacto sobre os mercados, mas que tende a ser menor. Sempre que esse estímulo acabou, as Bolsas caíram, como agora. Os mercados se animam com essa possibilidade na esperança de recuperarem um pouco, mas não acredito que seja uma solução definitiva. A crise americana é estrutural: os bancos não emprestam, as empresas não tomam crédito, as famílias não consomem. E problema mais complexo ainda é o que acontece na Europa", diz José Júlio Senna. Esse QE - do inglês Quantitative Easing, um estímulo monetário - virou uma droga que é aplicada para aliviar a dor da crise. Só que, como todas as drogas, é cada vez menos eficiente em corpos viciados.

Tanto Monica quanto Senna lembram que a inflação é um limitador. Com a inflação ao nível de 3,5%, o estímulo monetário tem que ser usado de forma mais comedida. Senna lembra que o Congresso americano não está lá muito satisfeito com a ação do Fed e, para completar, o próprio banco central americano está dividido: três dirigentes votaram contra a última decisão que foi anunciada recentemente de manter os juros congelados até 2013. "Então não creio que Bernanke vá se comprometer com um QE3 na sexta-feira sem ter absoluta certeza de que há conformidade entre os membros."

Pressionado pela inflação em alta, pelas críticas dos republicanos, e pela divisão entre seus próprios diretores, o Fed não pode lançar a salvação da pátria financeira global diretamente de um lugar no meio do nada. Mesmo assim, aguarda-se a sexta-feira e a fala do mago Ben.

Há riscos novos aparecendo no painel de controle. Rumores sobre dificuldades em alguns bancos grandes da Europa e dos Estados Unidos. Pelo sim, pelo não, as ações desses bancos estão caindo fortemente. Isso faz 2011 ficar mais perto de 2008. A crise daquela época foi aguda e provocada por uma quebra de banco, que foi o estouro da boiada. Agora, é uma crise fiscal crônica em alguns países. Se houver qualquer evidência de problema em banco, o quadro volta a se parecer com o que houve há três anos. Mônica acha difícil voltar a 2008, mas teme outro tipo de problema.

"O problema da Grécia vai voltar ao radar rapidamente. O programa atual está fora dos trilhos: o PIB está caindo, a arrecadação diminuindo, eles não vão cumprir a meta, e o FMI só pode dar dinheiro se eles cumprirem. Eles fizeram uma negociação bilateral com a Finlândia, que vai se esgotar agora, e os finlandeses só aceitarão renovação do crédito se receberem dinheiro", contou. Em setembro, há votações importantes nos parlamentos dos países europeus sobre os programas de ajuda financeira aos países em crise, e na Alemanha a Corte votará se essa ajuda é constitucional. O buraco já é fundo e o mundo continua cavando.

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