quinta-feira, agosto 25, 2011

CLÓVIS ROSSI - Os ricos não sofrem nem falam

Os ricos não sofrem nem falam
CLÓVIS ROSSI
FOLHA DE SP - 25/08/11 

Injustiça tributária vale para França e Brasil. Bilionários da 'Forbes' deveriam prestar atenção


Alô, alô, bilionários brasileiros na lista da revista Forbes: deem uma olhadinha, por favor, no apelo de seus colegas da lista francesa da Forbes para que sejam devidamente tributados. Sigam o exemplo, porque a iniquidade tributária não é produto francês, mas universal, inclusive e principalmente nestes tristes trópicos.
Há abundantes dados para mostrar como é correta a decisão do governo francês de impor uma taxação "excepcional" aos ultrarricos. Errado é fazê-la valer só uma vez, quando a iniquidade é permanente, não circunstancial. A decisão foi anunciada um dia depois de que as "vítimas" puseram a corda no próprio pescoço.
Posto de outra forma, em vez de o governo identificar um problema e atacá-lo, esperou que os beneficiários da iniquidade vestissem a carapuça para só depois atuar.
Vamos aos dados. A regra de ouro de qualquer sistema tributário é simples: quem mais tem paga mais. Muito bem: na França, o 0,1% dos mais ricos paga uma alíquota de imposto de renda de 20,5%. Já a fatia de cima, o 0,01% ainda mais rico, paga menos (17,5%). E aquela meia dúzia (ou 0,001%) de ultra-ricos contribui com apenas 15%.
É diferente no Brasil? Não, comprova estudo do Ipea (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas) divulgado faz pouco mais de três meses. Por ele, verifica-se que "as mansões pagam menos impostos que as favelas e estas ainda não têm serviços públicos como água, esgoto e coleta de lixo", como disse Marcio Pochmann, presidente do Ipea, no lançamento do estudo.
Em números: os 10% mais pobres da população separam 32,8% de sua renda para pagar impostos diretos e indiretos. Para os 10% mais ricos, a participação é de 22,7%.
Esses dados ajudam a entender por que o topo da pirâmide se apropria de 75,4% da riqueza nacional. A decisão do governo francês, embora correta, peca por deixar de lado uma proposta (a de taxação dos movimentos financeiros), que vira e mexe entra na agenda internacional - e sai rapidamente porque os governos não têm coragem de enfrentar o que os argentinos chamam, apropriadamente, de "pátria financiera".
O inchaço dela é outra anomalia do capitalismo contemporâneo, a ponto de ter capturado, nos últimos 10 anos, 41% de todos os lucros do setor privado norte-americano, conforme dados esgrimidos por Moisés Naím, agora colunista desta Folha, no tempo em que escrevia apenas para "El País".
Naím citou Simon Johnson, economista do Instituto Tecnológico de Massachusets (EUA), que afirma que apenas seis conglomerados financeiros controlam ativos equivalentes a 60% da economia dos Estados Unidos.
Se valesse mesmo o critério lógico e óbvio de que quem ganha mais paga mais, o setor financeiro teria que dar uma contribuição forte para as arcas públicas, aliviando o sofrimento das classes médias, aposentados e funcionários públicos, que estão levando o peso maior do ajuste fiscal em curso em vários países da Europa.
Por falar em classe média, é ela que, no Brasil, suporta o maior peso impositivo, em termos absolutos, E fica tudo por isso mesmo.

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