quinta-feira, agosto 18, 2011

CLÓVIS ROSSI - Sierra Maestra não é em Londres

Sierra Maestra não é em Londres
CLÓVIS ROSSI 
FOLHA DE SP - 18/08/11

Tumulto no Reino Unido foi precedido de queda na criminalidade, para o nível mais baixo desde 1995


Há uns sete ou oito anos, durante um passeio por Londres, minha filha, que então morava lá, soltou: "Pai, você não imagina como é bom poder caminhar sem ficar olhando para trás".
Era a observação de quem recém saíra do "sempre alerta" a que somos obrigados em São Paulo. Fico imaginando se ela repetiria a frase agora que Londres andou pegando fogo, se ainda morasse lá.
Suspeito que sim. Ou melhor, as estatísticas oficiais sugerem que sim: segundo o "British Crime Survey" 2010/11, a taxa de violações da lei "está agora perto do mais baixo nível jamais registrado". Em números: no ano passado, houve 10 milhões de incidentes criminais a menos, na comparação com 1995, o ano que registrou o pico da criminalidade.
De quebra, a estatística, como comenta o "Financial Times", machuca o discurso do primeiro-ministro David Cameron, que considerou os ataques da semana passada a culminação de "um colapso moral em câmera lenta".
Torna também exagerada a punição aos que convocaram quebra-quebra, convocação de resto frustrada. Só apareceu a polícia. Têm, portanto, menos seguidores do que o número de anos de prisão (quatro).
Não é por aí que se vai atacar nem mesmo uma das muitas explicações, supostas ou reais, para a baderna, a saber: uma força policial fraca e/ou racista e/ou brutal; pais ausentes; dependência de subsídios governamentais que acostumaram mal uma parte da juventude; multiculturalismo; tolerância com as gangues em escolas e comunidades carentes; exclusão social; cortes nos gastos sociais; a crescente brecha entre ricos e pobres; o consumismo como obrigação inescusável.
Essa é a lista, não exaustiva, colhida da mídia britânica. Esqueci alguma? É até possível, provável mesmo, que a soma de todas as explicações seja a forma correta de analisar o que ocorreu. Mas eu tenho sérias dúvidas quanto a politizar demais o tumulto, mesmo aceitando o óbvio fato de que a política permeia tudo, da questão social à segurança.
Afinal, como Anne Applebaum comentou no "Washington Post", "se os egípcios na praça Tahrir queriam democracia e os anarquistas em Atenas queriam mais gasto público, os encapuzados nas ruas britânicas queriam televisores de tela plana de 46 polegadas e HD". Não é exatamente o que eu chamaria de reivindicação político-social, ao contrário do que parecem pensar esquerdistas que raciocinam por "default" e acham que qualquer baderna é uma revolta contra o capitalismo e/ou o neoliberalismo.
Afinal, lembra também Applebaum, "houve saques em Londres depois do Grande Incêndio de 1666", antes, portanto, da invenção do capitalismo, e mesmo durante os blecautes provocados pelos bombardeios da aviação nazista, na Segunda Guerra Mundial, antes, portanto, da invenção do neoliberalismo.
Que o capitalismo gera exclusão e que está aumentando a desigualdade é fato. É igualmente fato que surgiu um saudável movimento de "indignados".
Mas confundir baderna com revolução social equivale a conferir a medalha Che Guevara do Mérito ao PCC ou ao Comando Vermelho.

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