É o fiscal, pateta!
MÁRCIO GARCIA
VALOR ECONÔMICO 10/06/11
Com a melhora recente do desempenho fiscal do governo central (quase metade da meta fiscal para 2011 foi atingida já em abril), tem havido um número crescente de manifestações, de dentro e de fora do governo, sugerindo que chegou o momento de se priorizar outros temas na agenda da política econômica, como se o problema fiscal da economia brasileira já estivesse resolvido. Nada mais equivocado.Como especialistas no assunto vêm alertando, a melhora do primeiro quadrimestre foi fortemente baseada em aumento de receita. A contenção de despesa concentrou-se no investimento público. Dada a agenda de compromissos futuros - PAC, gastos sociais, Copa do Mundo, Olimpíada -, bem como as eleições municipais no ano que vem, é duvidoso que tal melhora fiscal perdure por muito tempo.
A elevação do superávit primário é, sem dúvida, boa notícia, mas está longe de apontar para uma situação fiscal folgada nos próximos anos. Nossos problemas fiscais de médio e longo prazos são conhecidos. Exigem mudanças estruturais, sobretudo quanto à Previdência Social. Mexer nesses vespeiros é tão indispensável ao equilíbrio fiscal de longo prazo quanto impopular. Mesmo uma medida tão simples como a contenção do crescimento real dos gastos de funcionalismo do governo não avança no Congresso por falta de empenho do governo. De uma forma geral, o silêncio do governo quanto ao encaminhamento das reformas há muito mapeadas é ensurdecedor: o mais provável é que os problemas fiscais herdados pela presidente sejam legados a seu sucessor, em 2015, bastante agravados.
Sem conter a incessante expansão dos gastos públicos é fútil intervir em mercados cambiais
Há muitos anos, os gastos públicos expandem-se a taxas bem mais altas que a taxa de crescimento do PIB, exigindo crescente carga tributária, causando cada vez mais distorções e inibindo o investimento produtivo e a geração de empregos. Necessitamos de um orçamento fiscal ciclicamente ajustado, no qual o superávit primário aumente em anos de expansão e se reduza em anos de recessão, tal como ocorre em vários países. O Chile vem adotando com enorme sucesso uma regra fiscal desse tipo: o superávit estrutural. No passado, quando se tratava de diminuir o superávit, o ministro Guido Mantega manifestou-se quanto à conveniência de se adotar o orçamento ciclicamente ajustado. Infelizmente, não voltou mais ao tema.
O resultado final é que a poupança pública tem sido negativa por décadas. Aliada a uma baixa taxa de poupança privada, dá lugar a reduzida poupança interna que constitui um severo limitador dos investimentos indispensáveis ao crescimento sustentado a taxas próximas a 5% ao ano.
Para crescer de forma sustentada a 5% ao ano, estima-se ser necessário investir pelo menos 23% do PIB. Como a poupança interna está muito abaixo disso (abaixo de 16% do PIB no primeiro trimestre de 2011), serão necessários elevados aportes de poupança externa (déficits em conta corrente), a menos que se creia na ilusão, infelizmente muito difundida no Brasil, de que "o investimento cria sua própria poupança".
Ou seja, para podermos atingir o objetivo de um crescimento sustentado a 5%, será necessário conviver nos próximos anos com elevados influxos de capitais para o financiamento do investimento. Felizmente, a economia brasileira é hoje vista como porto seguro para o investimento estrangeiro, e tais fluxos de capitais estão vindo financiar o investimento que necessitamos. Infelizmente, a entrada de capital aprecia a taxa de câmbio tornando caros nossos produtos, sobretudos os industriais.
O que deve fazer o governo? A resposta é bem clara, apoiada tanto na teoria econômica quanto na experiência de outros países: aprofundar o processo de consolidação fiscal, diminuindo a taxa de expansão dos gastos públicos. Isso não só depreciaria diretamente a taxa real de câmbio, como também permitiria ao Banco Central reduzir a elevada taxa de juros, o que afastaria parte dos fluxos especulativos de capital que se aproveitam dos altos juros (o carry-trade), assim auxiliando a depreciação cambial.
No entanto, muito pouco foi feito e menos ainda deverá vir a ser feito quanto a um verdadeiro processo de consolidação fiscal. O que se vê, e deve continuar ocorrendo, são medidas paliativas, como mais intervenções cambiais e controles de capital. Além de onerosas, são ineficientes para depreciar a taxa de câmbio, como já argumentei em artigos anteriores.
O exemplo chileno é bem claro. Em 1997, o Chile controlava a taxa de câmbio e impunha controles de capital. Hoje, a taxa de câmbio é flutuante, não há controles de capital, o preço do cobre é muito mais elevado e o país é muito mais rico, com substancial saldo líquido de ativos no exterior. Tais condições deveriam implicar, atualmente, taxa real de câmbio mais apreciada. No entanto, é o oposto que ocorre. Mercê da excelente situação fiscal, que possibilita juros muito baixos, a taxa de câmbio real, que é a que importa para a competitividade da produção local, é hoje mais depreciada do que em 1997.
Para garantir o crescimento sustentado, bem faria a nova ministra-chefe da Casa Civil se, adaptando a bem-sucedida iniciativa de James Carville, estrategista da vitoriosa campanha de Bill Clinton em 1992, distribuísse tabuletas pela esplanada dos Ministérios com os dizeres: "É o fiscal, pateta!"
Márcio G. P. Garcia, PhD por Stanford e professor do Departamento de Economia da PUC-Rio
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