Chega de danos
AMIR KHAIR
O Estado de S.Paulo - 10/06/11
O Brasil ainda não se livrou do veneno que o impede de ter uma economia saudável e de crescer de forma sustentada, com baixa inflação, contas internas e externas equilibradas e forte distribuição de renda. Esse veneno é a Selic, a mais alta taxa básica real de juros do mundo há anos, que deteriora nossos fundamentos macroeconômicos. O mercado financeiro diz ser ela necessária para controlar a inflação. Mas, além de não conseguir isso, cria problemas fiscais, cambiais e desestimula investimentos. Essa jabuticaba brasileira passou a criar mais danos após a crise de 2008.
Tsunami de dólares. Para sair da crise de 2008, os bancos centrais dos países desenvolvidos injetaram trilhões de dólares, euros e ienes para socorrer seus sistemas financeiros, entupidos de títulos pobres. Assumiram dívidas e déficits fiscais elevados, a serem pagos pela população via aperto fiscal. Foram cortados direitos e salários, o consumo despencou, cresceram o desemprego, a tensão social e a instabilidade política.
Os emergentes não tinham títulos podres, estavam crescendo, enfrentaram bem a crise e fortaleceram sua posição no mercado global, sem grandes sacrifícios às suas populações, mantendo taxas de juros reais próximas de zero. O Brasil, porém, buscou retomar o crescimento, mas manteve a Selic alta, o que acelerou a desindustrialização, elevou déficits fiscais e agravou o rombo nas contas externas.
Há fortes indícios de que os desenvolvidos, sem perspectivas de ampliar o consumo interno, continuarão a elevar a liquidez, desvalorizando suas moedas para aumentar seu poder competitivo nas exportações e, assim, gerar empregos.
Diante dessa avalanche de liquidez, à procura de ganhos com juros mundo afora, o Brasil é o preferido. Não adianta o governo reclamar dos EUA pela emissão de dólares, nem da China por manter sua moeda acompanhando a desvalorização do dólar. Nem esperar que, elevando o IOF para 6%, irá deter essa avalanche de dólares. Há várias portas de escape usadas pelos especuladores internacionais, como as megaentradas artificiais de Investimentos Estrangeiros Diretos, que não têm IOF. No primeiro quadrimestre, cresceram 135% sobre o igual período de 2010.
Os danos da política de atração dessa liquidez pela Selic são muitos, não cabem no espaço deste artigo. Eis alguns.
1) O custo de todos os programas governamentais para a população de baixa renda é de 1,1% do PIB. Com juros, que beneficiam as camadas de renda média e alta, o custo é de 5,6% do PIB. É uma distribuição de renda às avessas.
2) O Banco Central, ao elevar a Selic, atrai mais ainda a liquidez externa, que eleva a oferta de empréstimos, estimulando o consumo. Depois reclama que a invasão de liquidez prejudica a inflação (???).
3) Pagamos 5,6% do PIB de juros, ante uma média internacional de 1,8%. Jogam-se fora 3,8% do PIB, que poderia ser usado para elevação dos investimentos, redução da carga tributária, ampliação dos programas de renda e melhora na área social.
4) A supervalorização cambial, devido à Selic, cria um rombo externo desde 2008 e pode atingir, neste ano, US$ 60 bilhões!
5) O diferencial entre juros internos e externos custou cerca de R$ 50 bilhões em 2010 para manter as reservas internacionais do País. Neste ano, poderão ser R$ 60 bilhões!
6) Inibe investir com risco na produção, quando a Selic dá bons ganhos sem risco, com liquidez imediata.
7) Com supervalorização cambial, tudo lá fora ficou mais barato (Importação de produto acabado dispara, Estado, 5/6). Daí o boom das importações e do turismo externo. Para piorar a competitividade, o alto custo Brasil.
Diante de todos esses danos, é lamentável a decisão do Copom de continuar aumentando a Selic, conforme o desejo do mercado financeiro. Mais danos virão. Segundo a corretora Cruzeiro do Sul, a taxa real de juros avançou para 6,8% ao ano, mais do que quatro vezes o 2.º colocado, o Chile, com 1,5%. A taxa média de juros de 40 países pesquisados está negativa em 0,9%.
Chega de danos! Vamos baixar a Selic ao nível internacional e combater a inflação por mais limitação do crédito ao consumo, via maior exigência de capital e de depósito compulsório ao sistema financeiro.
Nenhum comentário:
Postar um comentário