terça-feira, março 29, 2011

VINÍCIUS TORRES FREIRE

Imposto turismo e mais remendos 
VINÍCIUS TORRES FREIRE

FOLHA DE SÃO PAULO - 29/03/11

O GOVERNO elevou o imposto sobre gastos com cartão de crédito no exterior, o que também afeta as despesas com viagens internacionais. Taxou o Bolsa Miami, o incentivo para gastar dólares decorrente da combinação de aumento de renda com real forte. Entre outros efeitos, o imposto em tese segura a saída de dólares. Por outro lado, o governo tem aumentado impostos com o fim de segurar a entrada de dólares.
Parece haver um ruído aí, uma contradição na tentativa de evitar tanto a saída como a entrada de dólares. Mas isso é só aparência mesmo, pois o sentido das medidas não é o de controlar o caixa do país em moeda forte, o que já foi um problema grave, mas não é o caso agora.
No momento, parece ocorrer o seguinte: 1) O governo recolhe imposto novo onde pode, a fim de melhorar o balanço das contas públicas. Taxa cartão de crédito no exterior, bebida etc., a fim de compensar gastos extras em salário mínimo e renúncia de receita com a correção da tabela do Imposto de Renda; 2) Por meio de remendos menores, tenta corrigir os excessos de uma economia que está superaquecida.
A taxação da Bolsa Miami seria, a princípio, de uma espécie de imposto corretivo e também "prudencial". Evitaria endividamento excessivo e dolarizado de famílias ou até de pequenas empresas. Em caso de desvalorização abrupta do real, muita gente pode ficar quebrada -tal hipótese e sua consequência parecem agora remotas, mas existem.
Note-se que não se trata de despesa pequena, porém. O gasto com a rubrica "viagens internacionais" das contas externas chegou a 0,8% do PIB, no acumulado de 12 meses encerrados em fevereiro. O saldo do comércio exterior, a diferença entre todas as exportações e importações, foi de 1% do PIB no mesmo período. O deficit externo total do país está em 2,3% do PIB.
A despesa ficara quase tão alta assim apenas em outros períodos de crescimento excessivo e/ou real forte, como nos anos de câmbio fixo de FHC ou imediatamente antes da crise de 2008. Como há entrada até excessiva de capital externo, o gasto enorme com "viagens internacionais" não parece um problema. Mas consumir demais em momento de bonança costuma dar em besteira.
Por outro lado, o governo se preocupa, com razão, com o excesso de entrada de capitais "financeiros". Taxou até estrangular a entrada de dinheiro para Bolsa e aplicações em renda fixa. Quer agora taxar empréstimos externos a fim de evitar também o endividamento excessivo de empresas e especulação doida.
De quebra, pode assim segurar um tico a valorização extra do real e o "excesso de liquidez", pois a entrada de dinheiro barato do exterior dificulta o esfriamento da economia e a contenção da inflação. Porém, pode exagerar na dose, barrar capital demais, provocar uma pequena desvalorização do real e, assim, ficar com ainda mais problemas para conter a inflação.
Parece confuso -e é. Quando se tenta arrumar a casa com gambiarras ou puxadinhos, o resultado é incerto ou por vezes oposto ao desejado. Curto-circuitos e desabamentos.
Mas o governo parece recorrer a essa série de pequenos remendos porque não quer lidar logo e de frente com o problema de base: o consumo, doméstico e externo, é excessivo porque há crédito demais e gasto demasiado do governo.

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