Revolta impactante
Revista Veja
Omissão do estado, visão arcaica de alguns empresários e peleguismo de sindicatos provocam greves e vandalismo em grandes obras do Programa de Aceleração do Crescimento
O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) é o mais ambicioso projeto de infraestrurnra elaborado no Brasil desde o fim do regime militar. Lançado em 2007, com previsão de investimentos de 650 bilhões de reais, concentra mais de 13000 obras que serviriam para atenuar os gargalos que o país tem em transporte, logística, energia e saneamento. Nesses quatro anos, porém, o plano serviu muito mais como peça publicitária do governo anterior e como bandeira da campanha presidencial de Dilma Rousseff. Falhas em licitações, dificuldades operacionais, corrupção e ineficiência fizeram com que menos
de 30% das obras estejam dentro do prazo previsto. Nas duas últimas semanas, um novo problema voltou a pôr o programa na berlinda. Greves e manifestações de trabalhadores paralisaram seis de suas principais obras. No total, 78000 operários cruzaram os braços, reclamando de baixos salários e más condições de trabalho. Há o temor de que a onda de protestos se espalhe ainda mais, pondo em risco as obras da Copa do Mundo de 2014 e da
Olimpíada de 2016.
O estopim de cada confronto varia, mas os motivos de fundo são os mesmos: a omissão do estado, a visão arcaica de parte do empresariado, a dificuldade logística. Acrescente-se a isso um fato novo: o peleguismo de sindicatos que, antes de o PT assumir o poder, eram aguerridíssimos na confrontação com o estado e os patrões. O caso mais emblemático é o da Usina de Jirau, a . 130 quilômetros de PortoVelho, em Rondônia. Descontentes, os operários depredaram e incendiaram 79 dos 148 alojamentos, além de pane da
infraestrutura da obra. O prejuízo é estimado em 500 milhões de reais. Além das queixas trabalhistas de praxe, os operários reclamam da truculência dos seguranças, da falta de transporte e do livre comércio de crack e cocaína no canteiro - o que só é possível porque o estado não está cumprindo seu papel de oferecer segurança. Está certo que é uma empreitada hercúlea erguer uma hidrelétrica no meio da Amazônia, numa região distante dos principais centros de abastecimento e serviços. Para se ter uma ideia, apenas para alimentar
22000 operários de Jirau, são servidas diariamente 18,5 toneladas de arroz, feijão e carne. Mas é inaceitável que as empresas não se preparem adequadamente para enfrentar os desafios de logística e que o estado abra mão de cumprir suas obrigações. O motim em Jirau estendeu-se à Usina de Santo Antônio, também em Rondônia, cuja construção ficou paralisada durante toda a semana.
Obras com a magnitude de Jirau e Santo Amônio provocam uma migração em massa que. se não for acompanhada de ações efetivas do poder público, pode criar cenários caóticos. E o que acontece em Jaci-Paraná, distrito de Porto Velho, próximo a Jirau. Antes do início da obra, em 2008, a população era de 9700 pessoas. Agora, é de 21000. Entre os forasteiros, há traficantes e. obviamente, prostitutas: O distrito, em que existia apenas um prostíbulo,
hoje tem mais de quarenta. Com a presença dos peões nos fins de semana, o consumo de álcool e droga explode e a criminal idade atinge picos "Todas as ocorrências - furto, tráfico ê homicídios - triplicaram desde que : usina começou a ser construída", diz o policial Rivaldo Ramos. Jaci-Paraná tem apenas seis ruas asfaltadas, não é abastecida com água encanada e só dispõe de um posto de saúde. "O movimento aumentou em seis vezes. Ames, eu atendia no máximo duas adolescentes grávidas por mês. Hoje, atendo seis", conta Eliane Faial, técnica em enfermagem do posto de saúde, evidenciando mais um problema que chegou com a obra: a prostituição infantil. O estado simplesmente se omite diante desse quadro.
O Brasil, com suas dimensões vastas, áreas remotas e histórica falta de planejamento, é marcado por grandes projetos que, invariavelmente, resultam em conflitos - inclusive por questões culturais. Nos anos 1920, o industrial americano Henry Ford criou a cidade de Fordlândia, na Amazônia, com a intenção de produzir borracha. Logo de início, decretou a lei seca e demoliu bordéis. Os moradores se rebelaram e destruíram as instalações da
empresa. Na construção de Brasília, no fim da década de 50, um protesto de candangos por causa da alimentação resultou em dez mortes. Atualmente, com a melhor qualificação dos operários, o nível de exigência de condições mais satisfatórias de trabalho é ainda maior. "Os operários não se limitam às mesmas reivindicações do século passado. Hoje, eles têm mais acesso à informação e sabem que, neste bom momento econômico, dificilmente faltará emprego", afirma o historiador Marco Antonio Villa.
Esse nível mais alto de exigência pode ser verificado também nos protestos em três grandes obras no Nordeste: a refinaria e a petroquímica de Suape, em Pernambuco, e a usina termelétrica de Pecém, no Ceará. Os operários iniciaram as paralisações para reivindicar participação nos lucros e aumento no valor das horas extras - exigências impensáveis há uma década. No caso de Pernambuco, o sindicato foi contrário ao movimento, o que motivou uma baralha campal. Um operário foi baleado e o canteiro virou terra arrasada.
Esse é outro ponto comum nos conflitos. Os sindicatos têm como única preocupação defender o governo do PT, do qual recebem uma dinheirama, e recolher em dia as contribuições do imposto sindical. Só nas obras de Rondônia, o valor da contribuição compulsória gira em tomo de I milhão de reais por ano. As empresas responsáveis pelas obras negam que os canteiros sejam precários, mas dizem estar dispostas a negociar. Com o início do diálogo, a situação começou a voltar ao normal. Que as desordens sirvam de lição para projetos futuros.
de 30% das obras estejam dentro do prazo previsto. Nas duas últimas semanas, um novo problema voltou a pôr o programa na berlinda. Greves e manifestações de trabalhadores paralisaram seis de suas principais obras. No total, 78000 operários cruzaram os braços, reclamando de baixos salários e más condições de trabalho. Há o temor de que a onda de protestos se espalhe ainda mais, pondo em risco as obras da Copa do Mundo de 2014 e da
Olimpíada de 2016.
O estopim de cada confronto varia, mas os motivos de fundo são os mesmos: a omissão do estado, a visão arcaica de parte do empresariado, a dificuldade logística. Acrescente-se a isso um fato novo: o peleguismo de sindicatos que, antes de o PT assumir o poder, eram aguerridíssimos na confrontação com o estado e os patrões. O caso mais emblemático é o da Usina de Jirau, a . 130 quilômetros de PortoVelho, em Rondônia. Descontentes, os operários depredaram e incendiaram 79 dos 148 alojamentos, além de pane da
infraestrutura da obra. O prejuízo é estimado em 500 milhões de reais. Além das queixas trabalhistas de praxe, os operários reclamam da truculência dos seguranças, da falta de transporte e do livre comércio de crack e cocaína no canteiro - o que só é possível porque o estado não está cumprindo seu papel de oferecer segurança. Está certo que é uma empreitada hercúlea erguer uma hidrelétrica no meio da Amazônia, numa região distante dos principais centros de abastecimento e serviços. Para se ter uma ideia, apenas para alimentar
22000 operários de Jirau, são servidas diariamente 18,5 toneladas de arroz, feijão e carne. Mas é inaceitável que as empresas não se preparem adequadamente para enfrentar os desafios de logística e que o estado abra mão de cumprir suas obrigações. O motim em Jirau estendeu-se à Usina de Santo Antônio, também em Rondônia, cuja construção ficou paralisada durante toda a semana.
Obras com a magnitude de Jirau e Santo Amônio provocam uma migração em massa que. se não for acompanhada de ações efetivas do poder público, pode criar cenários caóticos. E o que acontece em Jaci-Paraná, distrito de Porto Velho, próximo a Jirau. Antes do início da obra, em 2008, a população era de 9700 pessoas. Agora, é de 21000. Entre os forasteiros, há traficantes e. obviamente, prostitutas: O distrito, em que existia apenas um prostíbulo,
hoje tem mais de quarenta. Com a presença dos peões nos fins de semana, o consumo de álcool e droga explode e a criminal idade atinge picos "Todas as ocorrências - furto, tráfico ê homicídios - triplicaram desde que : usina começou a ser construída", diz o policial Rivaldo Ramos. Jaci-Paraná tem apenas seis ruas asfaltadas, não é abastecida com água encanada e só dispõe de um posto de saúde. "O movimento aumentou em seis vezes. Ames, eu atendia no máximo duas adolescentes grávidas por mês. Hoje, atendo seis", conta Eliane Faial, técnica em enfermagem do posto de saúde, evidenciando mais um problema que chegou com a obra: a prostituição infantil. O estado simplesmente se omite diante desse quadro.
O Brasil, com suas dimensões vastas, áreas remotas e histórica falta de planejamento, é marcado por grandes projetos que, invariavelmente, resultam em conflitos - inclusive por questões culturais. Nos anos 1920, o industrial americano Henry Ford criou a cidade de Fordlândia, na Amazônia, com a intenção de produzir borracha. Logo de início, decretou a lei seca e demoliu bordéis. Os moradores se rebelaram e destruíram as instalações da
empresa. Na construção de Brasília, no fim da década de 50, um protesto de candangos por causa da alimentação resultou em dez mortes. Atualmente, com a melhor qualificação dos operários, o nível de exigência de condições mais satisfatórias de trabalho é ainda maior. "Os operários não se limitam às mesmas reivindicações do século passado. Hoje, eles têm mais acesso à informação e sabem que, neste bom momento econômico, dificilmente faltará emprego", afirma o historiador Marco Antonio Villa.
Esse nível mais alto de exigência pode ser verificado também nos protestos em três grandes obras no Nordeste: a refinaria e a petroquímica de Suape, em Pernambuco, e a usina termelétrica de Pecém, no Ceará. Os operários iniciaram as paralisações para reivindicar participação nos lucros e aumento no valor das horas extras - exigências impensáveis há uma década. No caso de Pernambuco, o sindicato foi contrário ao movimento, o que motivou uma baralha campal. Um operário foi baleado e o canteiro virou terra arrasada.
Esse é outro ponto comum nos conflitos. Os sindicatos têm como única preocupação defender o governo do PT, do qual recebem uma dinheirama, e recolher em dia as contribuições do imposto sindical. Só nas obras de Rondônia, o valor da contribuição compulsória gira em tomo de I milhão de reais por ano. As empresas responsáveis pelas obras negam que os canteiros sejam precários, mas dizem estar dispostas a negociar. Com o início do diálogo, a situação começou a voltar ao normal. Que as desordens sirvam de lição para projetos futuros.
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