É proibido envelhecer
JAIRO MARQUES
FOLHA DE SÃO PAULO - 29/03/11
DONA MARIQUITA foi uma das minhas melhores amigas de infância. Na época, ela desfilava com 86 anos de pura sabedoria. Morava em Brasília, cidade onde fiquei por meses fazendo a reabilitação daquilo que a paralisia infantil deixou sobrar no corpo.
Tive muitas amizades com pessoas mais velhas ao longo da vida. Aprendi com elas um bocado de novas palavras e expressões, a jogar xadrez, a exercitar a paciência -lição que ainda reprovo, admito-, a curtir o silêncio, a pensar na morte da bezerra, o que é uma delícia.
Com dona Mariquita, tomei gosto por escrever cartas e, sobretudo, por firmar o pensamento que toda aquela reforma que eu padecia no hospital Sarah era para ter um futuro melhor, menos torto, mais confortável. Ela me passava uma segurança de que daria "tudo certo no final".
Atualmente, parece que estão proibindo as pessoas de envelhecer, de se manifestar como velhos, de agir como velhos. Sem falar que pouco se pensa e faz para um mundo com condições adequadas àqueles de "idade avançada", seja lá o que isso for.
Os idosos de hoje têm de dar selinho, têm de fazer maratona, têm de saber "mexer" no computador -oxalá não tenha de jogar o raio do Playstation- e estar sempre disposto, com "visage" jovial. Ser velho é coisa do passado. Tem de agitar.
Por esses dias, minha mãe mesma, que foi criada com o pé no barro, longe das modernidades e dos recursos que transformam qualquer pelanca em bumbum de neném, reclamava da pele muxibenta, da falta de equilíbrio, da chateação por estar perto dos 70.
A ciência ajudou, a realidade social mudou e, de fato, parece que o tempo está passando mais devagarinho. Há uma série de pilulinhas mágicas que podem recompor a boa saúde do "shape" e o dominó deixou de ser a única opção de lazer do povo mais vivido.
Acontece, porém, que a velhice existe, os limites biológicos existem. Por mais que se passe reboco, massa corrida na cara, o tempo traz a nova fase da vida, que pode, evidentemente, ser bem aproveitada, ter suas peculiaridades, seu charme. O que não dá para negar é que ser velho pode significar ter mais fragilidade física e, com isso, maior necessidade de sensibilidade a seu redor.
Fiquei comovido com os resgates dos idosos no Japão. Um trabalho lascado e delicado para dar aos mais vulneráveis, pelo menos na aparência, a chance de continuar vivendo, ensinando, cuidando dos netos, plantando horta, sendo executivo em empresas, ajudando a cuidar da família ou jogando conversa fora na praça, por que não?
Em uma das ações, os socorristas tiraram do meio dos escombros uma senhora de 80 anos junto com o neto. Agiram com cuidado respeitando os limites do corpo da "batchan", como ela merecia ser tratada, ainda mais após tamanho choque. Era mais um tesouro de sabedoria, de experiência que estava sendo salvo.
Por mais sarado, penteado e caramelado que seja o idoso, não dá para carregá-lo como um saco de batatas. É preciso pensar em cuidados diferentes, em condições diferentes de acesso, de prioridade, de serviços, de atenção. Aqui pelo Brasil, por enquanto, o "esquecimento" desses detalhes é flagrante. Querem mesmo é proibir o envelhecer.
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