Tudo pronto, só falta combinar com Gaddafi
CLÓVIS ROSSI
FOLHA DE SÃO PAULO ONLINE
A ampla coalizão anti-Gaddafi que se reuniu em Londres nesta terça-feira deixou perfeitamente delineado o que fazer agora: o ditador líbio renuncia; estabelece-se um diálogo nacional, a princípio sem excluir os partidários do regime, exceto, claro, os da primeira fila; e em um prazo incerto e não sabido a Líbia terá eleições justas e livres, o selo com que a comunidade internacional avaliza pleitos em países problemáticos.
Seria, pois, a menos suja de todas as guerras recentes e não tão recentes.
Só falta combinar com os russos, ops, com Gaddafi.
Até agora, o ditador não deu o mais leve sinal de que vai abandonar o poder. Em todo o caso, a Itália parece estar negociando uma saída que envolva asilo em algum país africano, no qual estaria fora do alcance do Tribunal Penal Internacional, que vai investigar se Gaddafi cometeu crimes de guerra.
É inimaginável que o ditador se decida a abandonar o poder se houver algum risco de que seja entregue ao TPI.
Por isso, Franco Frattini, o ministro italiano do Exterior, diz que "Gaddafi deve compreender que seria um ato de coragem dele dizer que entende que deve sair". Acrescentou Frattini: "Esperamos que a União Africana possa apresentar uma proposta válida" [para o asilo do tirano].
É bom ressaltar que a Itália, por ter sido o poder colonial lá atrás e, mais recentemente, o mais íntimo aliado de Gaddafi, é o país ocidental mais bem informado a respeito do que acontece na Líbia.
Messiânico como se mostra, é pouco provável que Gaddafi aceite que uma renúncia possa ser rotulada como "ato de coragem".
Por isso, o "script" da coalizão anti-Gaddafi, por mais bonitinho e asséptico que seja, corre o risco de descarrilar no primeiro passo, que é justamente a saída do ditador, o que, em tese, traria o fim da guerra.
Criar-se-ia, nesse caso, a situação assim descrita por Tarak Barkawi, do Centro de Estudos Internacionais da Universidade de Cambridge, em artigo para o 'site' da rede Al Jazeera, a melhor fonte de informação sobre o quadro no Oriente Médio:
"O Ocidente agora se arrisca a criar uma situação em que nem autoriza nem cria as condições para que os rebeldes derrubem Gaddafi nem pode fazê-lo ele próprio".
O único problema com essa frase é a palavra "Ocidente". Da reunião de Londres participaram países que não são ocidentais, casos de Jordânia, Kuait, Líbano, Marrocos, Qatar, Tunísia, Turquia e Emirados Árabes Unidos, para não mencionar o secretário-geral da Organização da Conferência Islâmica, o embaixador da Liga Árabe em Londres e um observador da Indonésia, o país com a maior população muçulmana no planeta.
Ou seja, a coalizão anti-Gaddafi tem uma representatividade bastante grande. O Qatar, aliás, ofereceu-se para sede da próxima reunião do que passou a ser chamado de 'grupo de contato', ou seja, o diretório que vai cuidar de trabalhar a Líbia pós-Gaddafi.
O problema, no entanto, não é o "pós" mas o agora.
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