Entre Brasília e Vanuatu
JAIRO NICOLAU
O GLOBO - 29/03/11
Convido o leitor a fazer um teste: pergunte a um amigo se ele conhece a regra para a eleição de deputados e vereadores no Brasil. Sei que a pergunta pode soar tão estranha para alguns como se lhes fosse pedido para explicar como os pontos são computados em uma partida de beisebol.
Até onde eu sei, nenhuma pesquisa avaliou o conhecimento que os eleitores têm sobre o sistema eleitoral em vigor no Brasil. Mas, pela minha experiência em fazer esta pergunta em diversas audiências, imagino que o seu interlocutor dirá que não sabe ou, alternativamente, dirá que os mais votados são eleitos; ou seja, numa eleição para deputado federal no Rio de Janeiro, elegem-se os 46 nomes mais votados do estado. Quase ninguém responderá que temos um sistema de representação proporcional e que o mais importante é saber quantos votos cada partido obteve nas eleições.
Sei que é um tema muito específico, mas a desinformação sobre ele é muito grande. Minha sugestão é que a forma de votação no Brasil contribui para essa confusão. No dia da eleição somos convidados a votar em uma lista de nomes para diversos cargos. Se os cargos mais importantes para os eleitores (presidente, governador, prefeito e Senador) são eleitos pelo voto majoritário, por que não aconteceria o mesmo com vereadores e deputados? Daí a surpresa de um eleitor do Tiririca, ao saber que seus votos ajudaram a eleger deputados do PT e do PCdoB, partidos que concorreram coligados.
A representação proporcional, na versão que conhecemos, está em vigor no Brasil desde 1945. A meu juízo ela foi fundamental para a democratização do país, pois deu espaço no Legislativo a vozes emergentes (do PT às novas lideranças pentecostais), serviu para renovar a política brasileira e conferiu aos partidos representação aproximada a seu peso eleitoral. Claro que a representação proporcional deve ser aperfeiçoada e existem excelentes ideias em debate no Congresso para fazê-la.
A visão predominante entre os eleitores, de que os deputados são eleitos por um sistema de maioria, recebeu recentemente um nome prosaico: distritão. Além disso, passou a ser defendida por alguns políticos como opção para o Brasil. O principal argumento é que ele é simples e mais democrático, pois garante a eleição dos mais votados no estado, independentemente dos partidos.
O deputado tem razão em um aspecto: o sistema é simples. Mas está longe de ser o mais democrático. Entre os 88 países considerados livres (Freedom House, 2010), o distritão está em vigor em apenas um: Vanuatu. Uma ilha do Pacífico, com apenas 208 mil e que utiliza este sistema há poucas eleições.
Se a experiência de Vanuatu com o distritão não nos ajuda muito, temos bons estudos sobre o Japão - país que utilizou este sistema por mais tempo (1948- 1993). O antigo sistema eleitoral do Japão foi responsabilizado por muitos dos problemas que afetaram o sistema político e levaram a uma grave crise institucional em 1992: clientelismo extremo, dificuldade de os partidos coordenarem os candidatos nas campanhas e corrupção eleitoral.
É sempre difícil antever efeitos de novas regras eleitorais. Mas dois parecem inevitáveis, caso este sistema seja adotado no Brasil: enfraquecimento dos partidos e aumento do custo das campanhas.
Os partidos passariam a servir como organizações apenas para selecionar nomes para a disputa, e as eleições passariam a ser uma corrida entre centenas de candidatos; é interessante lembrar que um candidato com votação expressiva não transfere seus votos para outro nome do partido. Em uma disputa tão personalizada e competitiva entre nomes é bastante provável que as campanhas se tornem muito mais caras do que as que são feitas hoje em dia.
Boa parte do debate sobre reforma eleitoral feito no Brasil nos últimos anos se concentrou na discussão de como tornar os partidos mais fortes e as eleições mais baratas. Se me perguntassem a respeito de um sistema eleitoral no qual eu teria certeza de que isso não aconteceria, não teria dúvida nenhuma em dizer: distritão.
JAIRO NICOLAU é cientista político e professor da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
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